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— O que tá esperando? — Kyo perguntou do lado de fora da porta aberta.

Luz banhava todo o local fazendo as espirais de poeira brilharem ao dançar nos raios do sol. Kyo estava do outro lado esperando em pé nas lajotas verdes desbotadas do conjunto, suas mãos dentro da jaqueta escura. Não nevava, mas estava frio o suficiente para usar um agasalho. Keigo não tinha um, por isso Kyo deu para ele um cachecol preto que a ponta quase arrastava atrás do menino. Foi difícil colocá-lo sem ajuda.

Keigo olhou para Kyo e depois para além da porta, permaneceu parado. Carregava a pelúcia sobre o peito e os dedinhos apertaram um ao outro. Ele não podia sair de casa, era perigoso, a mãe vivia dizendo e fez com que prometesse.

— Você pode ficar se quiser. — Kyo falou. — Mas será que eu vou voltar ou sumir igual a sua mãe? — o sorriso cresceu nos lábios de Kyo.

O menino esbugalhou os olhos e logo deu o primeiro passo para fora e depois o segundo. Kyo gargalhou e fechou a porta. Agora havia outro obstáculo para Keigo, as escadas.

Kyo as desceu sem problema algum enquanto Keigo fazia com cuidado pois suas pernas eram curtas demais e tinha medo de cair. Quando chegou à base, viu que o moço já estava distante, Keigo correu para atingi-lo e manteve os passos acelerados assim que conseguiu.

Nunca tinha estado do lado de fora do apartamento, não sabia que no complexo haviam apartamentos no andar de baixo também e nem tantas casas. Um garoto passou veloz em uma bicleta ao lado deles enquanto uma senhora carregava compras numa sacola, tinha muitas pessoas lá fora no pátio em que as crianças brincavam, mas nenhuma outra criança.

O bairro era cheio de prédios como o seu, próximos demais e a tinta descascando das paredes. As ruas eram estreitas e diferentes dos doramas, Keigo sentia que se fosse tão alto quanto Kyo e esticasse as mãos poderia pegar nos cabos elétricos dos postes assim como as lanternas penduradas nas entradas de lojas, alguns garotos mais velhos conversavam nas esquinas em grupos fechados, eles tinham cabelos engraçados e eram cheios de brincos, alguns fumavam e quando ele e Kyo passavam por perto, eles os seguiam com o olhar. Keigo estava fascinado, todo mundo era bem diferente do que na televisão.

Kyo parou de repente e Keigo lhe imitou, esperaram o sinal para pedestre abrir e atravessaram a faixa, Keigo queria pisar somente nas partes brancas, mas suas pernas curtas não deixavam assim como o ritmo do mais velho.

Ele andava com as mãos nos bolsos e a cabeça erguida, seus cabelos negros jogados para trás destacavam o rosto branco e os olhos verdes mesmo de perfil. Seu rosto era como os dos protagonistas dos dramas, sempre determinado. Pararam em mais uma faixa de pedestre, um homem em um casaco de moletom com um grande tigre estampado fumava na margem oposta, Kyo estalou a língua e quando foi dada a passagem, o homem permaneceu não atravessou.

Kyo passou do lado dele com Keigo logo atrás, de repente esse homem deu um encontrão forte em Kyo que pouco se importou e continuou andando.

— Você me machucou! — o cara falou irritado segurando o ombro dele. — Acho que deslocou meu ombro. Vai fazer o que para pagar isso?

Keigo na época não sabia que isso era um golpe bem comum entre os delinquentes e iniciantes na yakuza, por isso desconfiou se ombro do cara estava deslocado ou não.

— Eu não tenho dinheiro. — Kyo falou calmamente com as mãos ainda enfiadas no bolso da jaqueta.

— Qual é?! É melhor me pagar! — Agarrou a jaqueta de Kyo esticando-a no punho.

Kyo olhou para Keigo por um instante, sorriu e disse para o homem mais alto:

— Claro. Aceita o pirralho como pagamento?

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora