Beba um pouquinho

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— Fiquei contente em receber o seu novo número. — Kei falou sentado do outro lado da mesa no restaurante. — Resolveu as coisas do sequestro?

— Estou resolvendo. — Enji fingia que analisava o cardápio para não ter que continuar com todo aquele falatório do moleque. Ele sabia o que pediria para o jantar.

— Chamou a polícia? — Kei bebeu um pouco de água da taça.

— Estou resolvendo.

— Ahhhh — soltou como em compreensão, Enji não quis subentender nada, apenas quis ficar calado. — Tantas opções… — voltou a ler o cardápio com entusiasmo. — O que pedir?

Enji chamou o garçom, pronto ou não, Kei teria que decidir logo. Enji falou seu prato, porém quando o funcionário virou para Kei ambos sorriram um para o outro como velhos amigos.

— Senhor Takami, é sempre bom vê-lo.

— Digo o mesmo, Umi. Hoje o especial é frango grelhado, não?

— Sim, do jeito que o senhor gosta.

— Você pode pedir para Hideo caprichar no molho para mim e tirar as cebolas?

— Tem certeza sobre as cebolas, senhor? O senhor as adora.

— Ah, hoje é um dia especial. — Kei sorriu e devolveu o cardápio. — Traga aquele vinho que eu gosto — sinalizou — duas taças.

Enji ficou surpreso com tanta intimidade, então o garoto vinha aqui geralmente? Tanto que sabia até os nomes dos funcionários.

— A arma ainda tá lá em casa. — Kei disse assim que o garçom se foi. — Eu devolvo por correio ou…

— Mandarei alguém buscar.

— Seu terno também tá lá.

— Mandarei alguém buscar.

Kei pegou um dos pãezinhos da cesta de petiscos, ele vivia comendo.

— Faz mal comer carboidrato à noite. — Enji observou.

— Sério? Não sabia. — ele mordeu mesmo assim.

— É conhecimento comum.

— Comer pão de noite é comum para mim.

Moleque irritante.

— E então, Enji, soube da novidade?

— Sim. — Ele foi o primeiro a saber e ainda assim era inacreditável, Yagi fecharia seu negócio.

— Agora você é o número 1. — Kei concluiu terminando o pãozinho. Essa afirmação desse moleque insolente não deixou Enji nenhum pouco feliz, tudo o que estava acontecendo não era justo. Desde que entrou nos negócios seu sonho era esmagar o imbecil sorridente do Yagi. Yagi isso, Yagi aquilo, Yagi o melhor, Yagi o cara com o sorriso cegante das propagandas. Yagi era para ser derrotado por ele ou o seu herdeiro e não simplesmente desistir.

Enji não falou nada por dignidade e porque aquele moleque não merecia nenhuma de suas palavras.

— O pessoal lá da empresa tá que é uma loucura.

— Você não? — Enji deixou a desconfiança falar.

— Nah, pra mim tá bom ser só bom no que eu faço. Não preciso ser o melhor.

— O pensamento de um perdedor.

— Eu não acho, por exemplo, não vivo frustrado. — Isso foi um ataque pessoal? Enji cerrou os punhos embaixo da mesa.

— O que você faz com o seu preciosíssimo tempo livre então?

Kei ficou surpreso, um brilho cintilou em seus olhos e logo disse:

— Quando acabarmos de jantar, eu te mostro.

Foi um erro. Estavam em um bairro suspeito no meio da noite, Kei caminhava com as mãos nos bolsos na sua frente, por onde Enji passava o olhavam desconfiado, ele retribuía cada encarada com uma pior. Seus novos seguranças seguiam discretos de longe.

— Por aqui. — Kei indicou com o queixo um dos bares com placas brilhantes e teto baixo.

Lá dentro era mal iluminado, mesas de bilhar espalhadas pelo local, cheiro de bebida alcoólica e cigarros além da falação sob a música indecifrável. Aquelas baixas luzes amarelas incomodavam sua visão assim como aquelas pessoas relapsas. Kei o levou até o bar, de novo, ele conhecia o pessoal.

— Tudo que ele beber pode colocar na minha conta. — disse ao barista que logo lhe deu um copo de chopp. — O que achou? — Kei virou para Enji.

— Desprezível.

— Não se preocupe, o movimento tá fraco porque ainda tá cedo. Logo melhora. Tin-tin. — Fez um brinde unilateral e deu um longo gole.

— Tenho trabalho amanhã. — Enji falou pronto para se retirar.

— Eu sei, eu também. — Kei não parecia muito preocupado. — Desce uma bebida aqui pra ele, Cabeça. — Kei pediu batendo no balcão.

— Eu não coloco a minha boca onde não sei a procedência. — recusou.

— Eu coloco.

— O quê?

— O quê? — Kei bebeu mais um pouco rindo. Um moleque desviado.

— Fecha a conta, estou indo.

— Se você for agora vai perder o que eu tenho para te contar.

— Não me interessa.

— Achei que você tava resolvendo as coisas do seu sequestro.

Enji endureceu.

— O que você sabe?

— Pega uma bebida e eu conto. — Kei empurrou pelo balcão para Enji a bebida recém chegada.

— Eu posso acabar com você. — avisou, não suportava esses joguinhos.

— Deus queira que sim — zombou. Deu mais um gole, umedeceu os lábios se livrando dos restos neles. — Pega logo isso, cara. Para de enrolação, não vai morrer. Isso bebe só um pouco.

Enji desprezou a bebida amarga assim que ela tocou seus lábios e acariciou sua língua. Um pequeno gole bastava.

— Quando a gente foi para o estacionamento — Kei começou — eu sabia que já tinha visto aqueles seus seguranças em algum lugar. Aí me lembrei que eles vinham aqui, demorou um pouco para eu notar porque eles estavam com roupas diferentes. Que bom que eu voltei assim que percebi, não?

Enji nada disse. Kei continuou a falar fingindo que não foi ignorado:

— Aí, eu vi que eles te atacaram. Não acho que estavam sozinhos nessa.

— Isso não é novidade.

— Uh, você fala agora? — Sorriu e bebeu mais. — Aqui não vêm pessoas muito apessoadas se é que me entende, eles estavam falando com um cara em específico.

— E quem é?

— Um tal de Shigaraki.

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora