Números de telefone

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— Fuyumi. — Enji chamou a filha que deu um pulo da geladeira aberta.

— Pai?! — Ela o encarava nervosa. — O senhor está de novo em casa?

— Sim. — Enji não trabalhava mais aos domingos porque precisava de um dia para descansar dos braços de Kei. O garoto lhe dava muito trabalho.

Silêncio pairou novamente entre os dois.

— Como você está? — Enji perguntou quebrando o silêncio e foi a segunda vez que perguntou algo assim para ela.

Fuyumi se espantou por trás dos óculos, mas não como a primeira vez. A moça ajeitou a postura e respondeu:

— Estou bem. E o senhor? — Enji sentiu que hoje sua filha estava corajosa.

— Eu estou bem. — Enji respondeu e logo notou um pinga-pinga vindo de algum lugar. Percebeu que vinha da cafeteira.

Fuyumi fazia o café para o pai de novo. Enji teve uma ideia:

— Você não quer tomar café? — Pensou em adicionar o “comigo”, porém desistiu no último momento temeroso de que a filha rejeitasse.

A professora engoliu em seco e respondeu:

— Quero sim. — Foi uma grata surpresa.

Sentados olhavam para a mesa servida e depois para as xícaras quentes em suas mãos para não olharem um ao outro. Muito estranho ter filhos crescidos, Enji pensou, Fuyumi estava bem ali parada no seu lugar de sempre ou no que ele achava que era quando voltava do trabalho e via os filhos e a esposa na mesa, porém a segunda mais velha mais parecia uma completa desconhecida.

Quando eles moravam sob o olhar vigilante de Enji era como se sempre estivesse a par da vida dos filhos e qualquer desvio fora da rotina era percebido com olhos de águia. Mas fora isso o que o homem sabia dos filhos de verdade naquela época e agora? Suas preferências? Suas comidas preferidas? Suas cores preferidas? Como agiam com os amigos que Enji permitia que eles fossem?

Sabia mais sobre Kei do que dos quatros filhos e não sabia praticamente nada dele. Natsuo fazia faculdade de quê? Fuyumi sempre quis ser professora? Qual a comida preferida de Shoto?

— Talvez mamãe tenha alta até o final do ano. — Fuyumi disse para terem algum assunto em comum.

— Sim, eu soube. — Enji não tinha mais ideia do que dizer.

— Shoto visita ela.

Essa notícia foi novidade para Enji.

— Desde quando? — Fingiu desinteresse tomando um gole da xícara que se tornava pequena em sua mão.

— Desde o início do ano. — Fuyumi respondeu e tomou o próprio gole como quem queria se esconder.

Enji refletiu sobre o assunto e concluiu que era bom o caçula visitar a mãe na clínica, talvez amenizasse sua fase rebelde adolescente ridícula e com certeza fazia bem à Rei.

— É bom. — ele afirmou.

Então a conversa morreu.

— Pai — Fuymui tentou reanimá-la —, o senhor sabia que Natsuo terminou com a namorada dele?

Natsuo tem namorada?

— Não. — Quem deveria ser? Alguma menina patética e chorona que Natsuo com o seu complexo de proteção espelharia suas frustrações porque achava que não tinha a capacidade de encontrar alguém melhor?

— Bem… eles namoravam desde o ensino médio e terminaram — Fuyumi sorria levemente ao relembrar — por causa de um jogo…

As palavras morreram na garganta da filha porque ela se lembrou, Enji viu na expressão, da briga horrível que ele teve com o filho por causa de videogames. Natsuo ainda gostava dessas coisas?

— E o que aconteceu? — Incentivou a filha a terminar.

Ela esbugalhou os olhos surpresa, limpou a garganta e disse com mais entusiasmo:

— Eles terminaram, no final Natsuo nem conseguiu comprar o jogo, mas um rapaz ajudou e deu a cópia dele para Natsuo.

— Parece uma boa pessoa.

— É, Natsuo também acha, eles são amigos agora e jogam juntos.

— E você? Joga videogames?

— Não, não jogo. Eu prefiro ler.

— Hmm. — Enji acenou concordando e refletindo que nunca viu a filha lendo na casa nada além dos materiais de estudo. — O que você gosta de ler? — Talvez tivessem esse ponto em comum.

— Romance… — Ela hesitou.

Não, não tinham. Enji gostava de leituras relacionadas aos negócios e gráficos de progressão.

— Há romances interessantes. — Enji mentiu descaradamente para não perder a conversa e a filha não desconfiar que ele reprovava esse tipo de leitura açucarada e sem propósito.

— Sim… — Ela franziu as sobrancelhas.

— Aqui em casa tem muitos livros — Todos de administração e economia — Você pode vir aqui ler se quiser. — Enji mandaria comprar um monte de romances para encher a biblioteca.

— Obrigada, pai.

O homem ficou feliz em ouvir essa frase de forma genuína. Seus filhos geralmente só falavam “sim, senhor” para qualquer coisa que ele fazia ou dizia para eles até começarem a se revoltar. Lembrou quando disse a Touya que ele teria mais horas de estudo com um novo professor renomado e o garoto o olhou no fundo dos olhos e disse que preferia morrer do que estudar mais, o tapa de Enji o derrubou.

— Fuyumi — Enji chamou a atenção da filha —, eu entrei recentemente nesses aplicativos de mensagens e ainda não tenho seu número lá.

Soou idiota ou autoritário? Enji só queria soar casual e nada patético por não saber o número da única filha que vinha o visitar. Ele continuou:

— Eu gostaria, somente se não for incômodo e nem lhe forçar, que você pudesse me dar o seu número. Mas só se você se sentir bem.

Enji jamais na sua vida falou assim com alguém.

— Ah, sim — Fuyumi percebeu e umedeceu os lábios —, eu posso lhe dar o meu número, pai. Assim se o senhor tiver algum problema ou quiser conversar é só me ligar.

— Mandarei mensagem para não incomodar, sei que vocês, jovens, não gostam muito de ligação apesar dessa ser a função do celular. — Enji lembrou de Kei falando sobre.

Fuyumi sorriu e, uau, foi incrível. Enji ficou surpreso com o quanto a sensação de ver a filha sorrindo genuinamente era nova e refrescante. Gostaria que ela sorrisse mais desse jeito.

— Tudo bem. — ela concordou.

Quando foi se despedir da filha na porta, estava satisfeito por ter o número dela gravado no celular, sabia que não se tratava de muito, porém já era um começo.

— Fuyumi. — Enji chamou resolvendo puxar a corda um pouco mais para salvar a família ou se enforcar.

— Senhor?

— Você poderia dar o número dos seus irmãos?

Fuyumi hesitou apertando a alça da bolsa e então disse apreensiva:

— Eu posso dar o de Shoto, já sobre Natsuo… eu não sei… se eu der seria bom o senhor não ligar ou mandar mensagem. Ele não reagiria bem.

— Eu não ligarei, só quero… — ter o contato dele caso uma emergência aconteça? Saber ao menos uma coisa sobre o filho? Se algo acontecer a ele não ser o último a saber?

— Posso pensar sobre o número de Natsuo?

— Pode. — Enji respondeu calmo. Não tinha direito sobre nada.

— Então quando eu chegar em casa lhe mando o número de Shoto e respondo sobre Natsuo.

— Tudo bem.

— Tchau, pai. — Fuyumi disse e saiu caminhando, então se virou no último instante e disse contente: — Hoje foi bom. — Saiu pelo portão que dava para a rua.

Enji ficou feliz.

Obrigado por lerem!
Gente, qual música vocês botariam numa playlist dessa fic?
Bjinhus!

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora