Um longo dia, o começo de muitos

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— Que coincidência te encontrar, Enji! — Aquele garoto veio até ele acenando, os claros olhos boêmios o irritavam.

— Por que em todo lugar que eu vou você aparece?

— Porque estamos no mesmo negócio. Somos quase parceiros, legal, não é?

Enji calou-se e focou na porta da frente. Por que Toshinori o chamou aqui? Cansou de se esconder? Resolveu explicar o porquê saiu dos negócios como um covarde?

— O você está fazendo aqui? — A última vez que ficou a sós com o garoto foi quando ele o arrastou para aquela espelunca de bar.

— Eu venho aqui de vez em quando pegar dicas com ele.

Enji enrugou o nariz zombando:

— Então ele se esconde, mas recebe visitas?

— Você não veio aqui antes? — o garoto parecia surpreso.

— Eu tenho cara de quem veio aqui antes?

— Uau, que estresse. — Kei indiferente sugou os dentes.

Enji ficou impaciente com a demora, estava lá há quase 20 minutos e nada de chamarem para entrar na sala de reuniões. Todo aquele prédio estranhamente vazio lhe causava de certa forma angústia, quantas vezes entrou ali para encarar seu rival após mais um semestre sendo o primeiro lugar? Ele não desistiu assim, não, Toshinori planejava algo e era algo grande. Enji descobriria.

Logo o homem foi chamado. Um magricela com cara de doente num terno largo demais para ele sentava na cabeceira da mesa.

— Olá, Enji.

— Cadê o Toshinori? — Enji ajustou as mangas do próprio terno azul em caimento perfeito.

— Sou eu, Enji. — Os olhos fundos dele eram cercados por olheiras profundas e a pele ressecada caía-lhe como uma mortalha. — É difícil me reconhecer desse jeito? — O magricela encarou a si mesmo com certa alegria mórbida.

— Não tenho tempo para piadinhas. Por que Toshinori me chamou aqui?

— Isso não é uma piadinha… — umedeceu os lábios ressecados — Esse sou eu, chamei você aqui para que me visse.

Com certeza, não eram a mesma pessoa, nem a voz era parecida. Yagi tinha o tom grave, confiante e estupidamente alegre, esse aí a voz era arrastada lixando contra a garganta e deprimente como um vira-lata ganindo. A única coisa que ambos tinham em comum eram os cabelos loiros e até nisso divergiam: nada de dourado vivo apenas um amarelo quebradiço doentio.

— Eu não acredito. Onde está Toshinori?

— Sou eu, Enji. Estou doente. Muito.

— Mentira. Vi Toshinori há uns meses, nunca que ele estaria — apontou para o homem com o pé na cova — assim.

Ele riu, porém logo parou com dificuldade de respirar.

— Eu não estava tão ruim assim, estava? — O magricela fitou com nostalgia o teto e cruzou as mãos sobre a longa mesa de reunião, nesse breve gesto, Enji viu as abotoaduras do terno. Azuis, vermelhas e brancas. As que Yagi sempre usava.

— Isso é uma espécie de piada? Quer zombar de mim? — Em todos esses anos ele jamais fez tal coisa, começaria agora?

— Não é piada. Estou morrendo. Vou morrer. — Foi pontual. — Quero dizer, se eu não descansar agora, vou morrer em breve.

— Não. — Enji foi firme. — Toshinori não é você. Não tem como ele ser você. — Não, não, não, nunca Yagi seria esse caco quebrantado na sua frente!

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora