Fim da tarde. Cerimônia de inserção.
— A primeira tela.
O orador levanta o braço, com seu display, que brilha sob a luz dos telões.
Todo o público faz o mesmo. Os braços são levantados, os displays brilhando, o punho fechado no topo. E todos ficam em silêncio, em seguida. O homem abaixa o braço e todo o restante das pessoas faz o mesmo, assim como eu, Jayden e Mael, lado a lado em meio à multidão.
— A nossa guia primordial, a nossa justificativa, nosso fim, nosso meio — diz o orador, à frente de outros cem jovens. Muitos outros já foram inseridos na Teia desde a primeira cerimônia após a quebra de fluxo. Já se passaram semanas. — Dínamo e toda a sociedade humana atingiram um nível inimaginável para nossas sociedades ancestrais. Temos controle dos começos, dos meios, dos fins. Estamos presentes em todo e qualquer acontecimento. A segurança, a palavra básica que guia nossas vidas até nosso fim de felicidade, é baseada completa e inteiramente nos dispositivos implantados em nossos braços, em nossas mentes, em nossos corações.
Jayden olha para mim.
— Nos corações? Isso é possível? — Ele dá um sorriso torto, rindo.
— Deixe de ser imbecil. É uma metáfora. — Resmunga o namorado dele.
Meu amigo levanta uma sobrancelha na minha direção.
O orador puxa para junto de si um dos cem jovens: uma garota de pele num tom intermediário entre o branco e o negro, cabelos curtos e uma expressão um pouco assustada no rosto. O político toca no peito dela – na altura do coração.
— A Teia está presente dentro de cada um de vocês, de nós — ele diz, apertando com força o ombro da garota. — A Teia não é uma entidade superior a seus habitantes, ou que os comanda. Nós somos a Teia. Somos parte ativa dela. Por isso é que, antes de qualquer outra coisa, trabalhamos por ela e para ela, pois, assim, estamos trabalhando por e para nós.
Ele anda em volta da garota, que parece cada vez mais tensa.
— Esta é a razão pela qual devemos dominar a nós mesmos. Dominar nosso corpo, através do implante de hardware. Dominar nossa mente, com os recentes, e em breve amplamente difundidos, implantes cerebrais: a conexão genuína. E, acima de tudo, dominar nossas emoções. Mas como fazê-lo? Às vezes, domar nossos corações pode parecer muito mais difícil do que seria utilizar uma droga capaz de alterar nosso comportamento social. Pode, por vezes, parecer impossível. Domar a si mesmos é um dos maiores desafios de qualquer pessoa inserida na Teia e, de certa maneira, será o maior desafio de vocês, também.
Ele se dirige aos jovens, e coloca a garota junto ao grupo novamente. Ela parece aliviada.
— E, também, nessas ocasiões, a resposta pode ser encontrada na Teia — diz ele. — Um problema de pareamento pode ser resolvido com a ajuda de companheiros da casta dos mercadores, da subcasta dos sádicos. Um de aliança, através de uma das inúmeras atividades sociais como festas, feiras, projetos de lazer e recreação espalhados pela cidade. Quanto a uma rivalidade mal resolvida, pode ser solucionada com desafios, com apostas, punições, pagamentos, ou qualquer outro tipo de recurso oferecido no Setor de Resolução de Conflitos. O mais importante de tudo é que nada que seja ligado à emoção altere qualquer característica ou determinismo já previsto no display. Nenhum tipo de emoção pode interferir em uma conquista de casta.
Ele para junto da borda do palco. Nos telões, seu rosto é gigante.
— E, se o problema for com um alvo, a única solução possível é seguir o display — diz ele, resoluto. — Seguir o display sempre será o antídoto para qualquer angústia pessoal ou emocional que possa acometer um habitante de Dínamo e da Teia. Nada, jamais, será comparável à capacidade de agraciamento e conquista que seguir nossos displays pode nos proporcionar. Servir à Teia é o nosso bem-maior, a nossa segurança e a nossa felicidade. E é a ela que buscamos, agora, e sempre.
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Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...