Por muito tempo, tudo que eu faço é me encolher, perder sangue e sentir frio.
Minha visão vem e vai, ficando, na maior parte do tempo, enegrecida.
Meu coração pulsa com força dentro de minha cabeça.
Tudo que ouço são suas batidas.
Meus braços não se movem; minhas pernas, também não. Parece que todo o meu ser está travado, e a dor que parte de meu abdômen se espalha por todo ele. Sinto cada mínima parte do que sou gritar de dor, com a faca ainda encravada na barriga.
Levanto o pescoço e olho para o cabo negro despontando de mim.
Tento respirar fundo, mas não consigo.
Ainda assim, levo a mão até o cabo e o seguro com o pouco de força que me resta.
Meramente tocar nele faz com que um espasmo de dor se espalhe por todo o meu corpo.
Minha respiração fica entrecortada. Eu sinto o metal gelado esquentar dentro de mim lentamente.
Ponho primeiro a palma sobre o cabo, e passo os dedos através dele até que eles se encontrem com a palma. Aos poucos, eu o seguro com mais força, me preparando para puxar a faca para fora. Ou, para ao menos tentar fazê-lo.
Uma nova e mais profunda, mais forte pontada de dor, e minha mão escorrega da faca.
Tento não vomitar.
— Merda. — Murmuro.
Meus olhos resvalam para o sangue escuro que empoça no chão. E, depois, para Leon, morto a meu lado, de olhos vidrados. Da mesma maneira como eu vou ficar, em pouco tempo.
Mas não morri ainda.
Não morri.
Eu procuro em torno por alguma maneira de tentar me salvar. E me pergunto, também, se qualquer tentativa é válida.
Não há nada. Nada que eu possa fazer, nada que possa me salvar, ou que eu possa usar para isso.
Outra vez tento respirar fundo, mas o movimento faz com que a pele seja rasgada um pouco mais pela lâmina, e eu paro, inquieto. O teto e a bancada acima de mim desaparecem. Demora meio minuto para que apareçam novamente e, agora, minha mente dá voltas.
— Eu não—
Todos os meus membros começam a tremer involuntariamente.
O frio parece maior.
Não consigo me mover. É como se a faca atravessasse todo o meu corpo e estivesse cravada no chão.
Eu me esforço uma última vez.
Agarro o cabo, ignorando a dor imensa que me toma, e faço força como nunca antes, em toda a minha vida. Faço força para arrancá-la de onde está. Puxo-a, com os braços enfraquecidos e os dedos mal conseguindo segurar o cabo, milímetro a milímetro.
Mordo a boca por dentro.
Olho para a arma.
Quando um centímetro de metal aparece fora da minha carne, sirenes.
As luzes subitamente se apagam.
A CMT fica no escuro.
Diversas luzes menores se acendem, no entanto. Luzes que perpassam a sala por inteiro e levam até a saída.
Se antes eu já não conseguia me orientar, o escuro faz com que tudo fique ainda mais confuso, com que meus pensamentos tornem-se menos concretos. Meu corpo volta a parecer fluido. Eu largo a faca. Desisto de minha tentativa de me livrar dela.
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Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...