Capítulo 49

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Começo da noite. No caminho para o centro.


Uso a moto para encontrar Kali na frente de seu dormitório.

— Qual é o plano? — Pergunto a ela.

— Não há nenhum plano. Nós vamos até o centro e conversaremos com Fenrir.

— Conversar? Da última vez que você tentou fazer isso, foi para a CMT — digo. — E isso não está nos meus planos.

— Nem nos meus, Harlan. — Ela rebate, me olhando fundo nos olhos.

Faço um sinal com a cabeça para que ela suba, e ela passa uma das pernas por cima do veículo, sentando-se atrás de mim. Como da última vez, passa os braços em torno de meu corpo, ao invés de se segurar nos apoios junto de seu banco. Uma onda breve de eletricidade me perpassa.

Toco no console da moto e acerto nossa trajetória. Acelero e sigo a linha laranja traçada no mapa.

— Acha que Fenrir vai aceitar falar com a gente?

— Ele precisa aceitar — diz ela, e estende o braço à minha frente. Olho para seu display, a assinatura digital do artífice em destaque. — O preço é sua vida.

Dou uma olhada rápida para trás.

— Ele zerou o display?

— Sim.

— E essa é nossa moeda de troca?

— A nossa moeda de troca é a vida dele — diz Kali. — Se conseguirmos uma atualização para você, podemos inclui-lo nela, também. Ele nos dirá qualquer coisa para continuar vivo.

Faço uma curva fechada. Ela se segura com força em mim, mas nada diz. Seguimos na direção do viaduto que leva ao centro da cidade, desviando dos carros que andam devagar.

— E por quanto tempo você pode segurar alguém pronto?

— Como assim?

— Por quanto tempo você pode não matar alguém que já zerou o display?

Ela se segura em mim com mais força, mas não responde.

— Kali. — Chamo.

— Há um nível de tolerância. Alguns meses, no máximo. — Resmunga ela, a voz fraca.

Diminuo um pouco a velocidade.

— Então ainda temos tempo. Tempo para mim. — Digo, olhando para ela. Mas ela esconde o rosto na minha roupa.

— Não.

Paro a moto.

— Você disse que tem tolerância.

Olho para trás. Os olhos da garota lacrimejam.

— Leon está pronto há seis meses.

Fico parado por alguns instantes, sem falar nada, a moto um pouco inclinada para a esquerda, eu com o pé cravado no asfalto, segurando-a em pé. A fatalista passa as mãos por debaixo dos olhos, limpando as lágrimas que tentam escapar e escorrer por seu rosto. Ela não quer, por alguma razão, que eu a veja chorando. Então desce da moto e anda até a calçada, olhando para dentro de uma loja muito pequena. Olhando, na verdade, para seu próprio reflexo na vitrine.

Quando ela me deixa sozinho na moto, o vento frio da noite me gela por completo. Desligo o motor, levanto e vou atrás dela.

— Leon é seu alvo? — Pergunto.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora