Capítulo 39

574 75 28
                                    

Enveredo pelos corredores de lona branca conforme as luzes brilhantes da cidade são ativadas automaticamente pela própria escuridão. As cores e animações dos outdoors piscam, iluminando de maneira caótica as minúsculas ruas temporárias formadas pela feira, queimando as retinas de quem as vê, ficando gravadas no fundo do olho. Cada vez mais fica difícil encontrar um caminho definido, conforme a feira se fortalece e o comércio de drogas e de produtos falsificados toma conta. A cacofonia se mistura à cacolumia e, em segundos, tudo o que resta é caos.

Ao mesmo tempo, a noite se torna mais escura. Nuvens negras tomam conta do céu com rapidez. Um vento forte sopra na altitude.

Ergo meu braço esquerdo e olho para o mapa virtual. O círculo vermelho que corresponde a meu alvo se encontra próximo de onde estou.

Faço uma curva, desviando de um grupo grande de pessoas, e avanço na direção dela.

Meu display se ilumina com a proximidade.

Seguro seus ombros e a viro. Agarro sua roupa e a puxo, girando contra a parede e a colocando lá com força.

A princípio, não falamos nada.

Quando ela ergue o olhar para mim, parece que esqueço completamente a razão pela qual decidi abordá-la outra vez. Os olhos dela me atravessam como já fizeram em tantas ocasiões; em suas profundezas está o fogo que sei queimar o tempo inteiro por dentro dela. Um olhar e a eletricidade entre nossos corpos, e fico quase sem reação, incapaz de fazer qualquer outra coisa além de encará-la.

O momento passa.

O que há de errado com você? — Minha voz sai alta, e as pessoas no entorno nos olham.

Ainda assim, nada fazem. Não estão autorizadas a interferir.

Ela demora pelo menos dez segundos para responder. A espera é pesada.

— Eu gostaria de saber o mesmo a seu respeito. — Diz.

Balanço a cabeça.

— O que você pretende? — Pergunto. — Lenina me disse que descobriu ser seu alvo, e você estava lá, olhando para mim e para ela. Porque estava lá, se disse que eu deveria me afastar de você? Eu ouvi você e Leon falando a respeito de mim e dela, também. Sei que você percebeu que eu tenho andado com ela. Mas porque percebeu isso, se quer ficar distante?

— Imaginei que, tendo você me espionado por tanto tempo, eu tivesse o direito de fazer o mesmo. — Diz ela, em voz baixa.

— E então o quê? Instalou câmeras no depósito, também?

Ela nada diz.

Sinto um crescendo de fúria dentro de mim.

— Certamente já sabe que eu e Lenina estamos juntos, se o fez.

— Sim. Eu sei.

Bato-a com força contra a parede.

— Eu não consigo entender o que se passa em sua cabeça — digo, entre dentes. — Contratei Lenina para descobrir tudo que pudesse saber a seu respeito. Queria saber como poderia roubá-la. E acabei descobrindo todas as verdades a seu respeito.

Volto a bater. Kali solta todo o ar de seus pulmões.

— Tudo.

Ela inspira fundo, mas continua me olhando. Seu olhar não vacila por um instante sequer.

— Descobriu o que queria saber com a pior fonte possível — diz, enfim. — Lenina é uma difamadora, uma falsa, uma vagabunda. Vive de vender as pessoas que confiam ou confiaram nela. Ela não se contenta apenas com as informações.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora