Uma semana depois. Depósito.
O dia do repasse acaba sendo uma situação constrangedora, pois não tenho nada para repassar à Teia.
— Você está em posse de um colar Classe 1. Deve repassá-lo o quanto antes. Caso contrário, será acusado de roubo ilegal. As multas são significativas — Diz a mantenedora, que examina minha mesa vazia. — Caso lhe faltem créditos para pagar a dívida, ela poderá ser quitada com uma temporada de estadia na CMT.
— Este colar foi roubado e eu sei por quem.
— É impossível. Este artefato encontra-se registrado em seu relatório de bens e nenhum salteador foi designado para roubá-lo de você. — Ela diz, com uma certeza fria e rígida.
— O nome desta pessoa é Kali Assange, ela é uma fatalista. Foi a causadora da última atualização—
A mantenedora levanta uma mão para me impedir de continuar falando.
— Sendo uma fatalista, a possibilidade de este colar ter sido roubado por essa pessoa em específico automaticamente deixa de existir — ela diz, e seus olhos passam pelo seu tablet, em que ela abriu minha ficha e display. — Além disso, esta fatalista é um de seus alvos, o que evidencia que é você quem deve roubar algo dela, não o contrário.
— Eu sei disso, mas—
— Deve cumprir com suas designações e apresentar, no mínimo, um item roubado na próxima semana. Caso contrário, será levado à CMT e precisará depor a respeito de sua falta de compromisso, assim como arcar com as devidas consequências. — Ela dá o ultimato.
Os mantenedores continuam seu caminho até a mesa de Jayden, onde diversos itens estão dispostos organizadamente sobre o tampo escurecido. Sinto um pouco de inveja dele, e sei que, de certa maneira, ele sente orgulho pelo mesmo motivo da minha inveja.
Poucas horas depois, há sinais de atividade por parte de Kali.
Uma ligação.
— Ceres. — É a mesma mulher da ligação anterior.
— Kali — a mulher responde. — O que você quer?
— Preciso que você me passe todas as informações a respeito de Fenrir Roth.
Há, no fundo, o som de batidas de dedo sobre uma superfície. Provavelmente um teclado holográfico sensível ao toque.
— Pronto.
— E o georreferenciamento em tempo real. Preciso saber onde ele está.
— Feito.
— Isso é tudo.
Foi uma das conversas mais rápidas que já presenciei, mesmo que virtualmente.
Ergo uma de minhas sobrancelhas, uma ideia começa a surgir em minha mente aos poucos, se apoderando dela lentamente. Tiro os fones de ouvido e os guardo em um recuo da mesa. Levanto e vou até Jayden.
— Jayden.
Ele tira um de seus fones de ouvido e vira o rosto em minha direção, mas logo volta a olhar para a tela. Ele continua digitando rapidamente qualquer coisa no teclado integrado, assim como abrindo todo tipo de janela e código ao mesmo tempo.
— O que é?
— Eu preciso da sua ajuda.
— Sempre precisa. — Ele sorri apenas com o canto da boca e então pausa a música que estivera ouvindo, olhando para mim, agora.
— Quero uma maneira mais fácil de rastrear a Kali.
— Eu também quero uma maneira mais fácil de rastrear os meus alvos — ele diz, fazendo uma careta como que se compartilhássemos nossos desejos. — Você, por acaso, descobriu como fazer?
Estreito os olhos para ele.
— Todas as pessoas têm um maldito chip de georreferenciamento encravado no osso, embaixo do display — digo, batendo com dois dedos na tela implantada no meu antebraço esquerdo. — Tem que ser possível acessar esse tipo de coisa. A Teia tem como fazê-lo e nós temos acesso à Teia. Você consegue rastrear alguém com esse tipo de coisa, só usando esses seus... códigos?
Jayden balança a cabeça positivamente.
— Poderia rastrear você, mas porque eu faria isso? — Ele dá uma risada. — Realmente as coisas seriam bem mais fáceis se isso funcionasse. O problema é que, pra acessar, tem que ser pelo dermatrodo.
Ele mostra o acesso direto na articulação do braço.
— É a única maneira?
— Sim — responde ele, seus olhos voltando para a tela mais uma vez, quando uma notificação surge. — A não ser que você encontre um hacker muito bom, capaz de fazer isso sem acesso direto. Mas eu acho isso bastante improvável.
Apoio a mão sobre a mesa dele e abro, involuntariamente, um aplicativo. Jayden me olha com desprezo e empurra minha mão para fora da mesa.
— Basicamente você teria que ter acesso ao display da sua garota, e eu duvido muito que você seja capaz de fazer isso, pelo menos presencialmente — ele diz, enquanto passa a mão pela própria cabeça. — Você teria que ter tido acesso a ele anteriormente, mas isso é praticamente impossível.
— Talvez...
Cruzo meus braços, tomando cuidado com relação à mesa de Jayden. Ele parece começar a ficar impaciente na medida em que novas notificações aparecem na tela. Ele cruza os braços, também, talvez para evidenciar isso.
— Acho que sei quem pode ter acesso direto ao display dela — digo. — É uma hacker, imagino que a mesma que fez o bloqueio.
— Então, com toda certeza, essa pessoa tem acesso ao chip. — Resmunga Jayden, ansioso.
— O maior problema é que essa hacker é aliada dela. Ceres.
Meu amigo dá de ombros.
— Suborne-a.
— Elas são aliadas.
— Sim, e nós dois também somos.
Demoro alguns instantes para entender o que ele quer dizer e acerto um soco fraco no braço dele, avisando que entendi o que ele quis dizer como uma brincadeira – mas deixando implícito que, se ele realmente estiver dizendo que aceitaria ser subornado com relação a mim, eu estaria disposto a fazer o mesmo com relação a ele.
— Seu puto. — Digo.
— Ora, vamos lá, Harlan. Todo mundo tem um preço. Essa hacker, com toda certeza, também tem um. Você só precisa descobrir qual é, e, então, terá o que quiser. — Ele diz, ao mesmo tempo em que finalmente volta à sua tela e a seus próprios compromissos. Ele mete os fones de ouvido nas orelhas e se isola.
Eu caminho lentamente de volta para minha mesa.
Rastreio rapidamente a ligação que Kali fez com os recursos que me são dados pela própria Teia. Uma das diversas possibilidades. Por mais que haja um tipo de bloqueador de rastreio no caminho dessa ligação, meus recursos conseguem ultrapassá-los e identificam o destino.
Um servidor, a dezesseis quadras de distância.
— Todo mundo tem um preço. — Murmuro.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...