PARTE DOIS
PRESCRITO
A primeira coisa que penso é que ela está morta.
A garota permanece desfalecida no chão, o corpo esparramado no carpete grosso. Os quatro seguranças se aproximam e um deles se abaixa. Põe os dedos indicador e médio junto do pescoço de Kali e, então, se levanta. Faz um sinal afirmativo com a cabeça na direção de Fenrir.
Ele, ainda segurando a eletroarma, deixa-a cair no chão.
Depois, desaba no sofá vermelho.
A garota é deixada por mais algum tempo no chão. O artífice toca em seu display e fala alguma coisa, aparentemente fazendo uma ligação. Toca mais algum tempo no braço, depois parece relaxar sobre o couro sintético vermelho.
Ao longe, sirenes.
As barras de leds piscando à frente dos carros dos mantenedores iluminam os altos prédios dos dois lados da rua, e os carros aceleram por ela. São dois veículos tradicionais e um furgão, todos pretos com faixas brancas para identificação. No meio do capô, o tradicional símbolo do prisma de seis lados, também em branco.
Os mantenedores abrem a porta do prédio apresentando os displays ao console e entram.
Um minuto depois, eles passam pela porta aberta do apartamento e os quatro seguranças logo assumem uma atitude totalmente submissa. Os mantenedores fazem uma rápida busca. A faca, curiosamente, desapareceu de onde havia ficado, cravada no sofá vermelho.
Fenrir se levanta bruscamente e faz vários gestos e sinais na direção de Kali, ainda inconsciente no chão. Ele cutuca com a ponta do pé a cabeça dela. Ela não reage.
Dois dos dez mantenedores que subiram ao apartamento pegam a garota pelos ombros e a levam para fora do apartamento, suas pontas dos pés arrastando no carpete. Eles passam pela porta e a fecham, mantendo apenas o artífice e seus seguranças do lado de dentro.
Desço correndo da plataforma.
Chego ao nível da rua e me mesclo à multidão, que também corre, quase ao mesmo tempo em que Kali é arrastada para o lado de fora do prédio.
— Está inconsciente? — Pergunta um dos mantenedores, de aspecto mais oficial.
Os dois mantenedores concordam com a cabeça.
O oficial acerta o rosto da garota com um forte tapa, que vira sua cabeça para o outro lado.
Kali acorda e tosse, os pés imediatamente assumindo controle e pondo-a em pé. Ela tenta se livrar do aperto dos mantenedores, mas eles a seguram mais forte. Ainda assim, levanta o olhar e encara Dimitri, o mantenedor que a acusou de quebra de fluxo no dia da atualização.
Seu rosto se transforma em uma máscara de puro ódio. Ela tenta se soltar, mas as algemas magnéticas que prendem seus pulsos a impedem, assim como os dois mantenedores que a seguram pelos braços.
Ela escarra e cospe sangue com catarro no rosto do oficial.
O homem não diz nada por alguns instantes. Então cerra o punho e acerta o rosto dela de cima para baixo. A força a joga no chão, e os mantenedores não a seguram, fazendo-a cair. Eles a deixam no chão enquanto o oficial limpa o rosto com a mão coberta por uma luva. Só a levantam quando ele solicita.
— Tragam um escâner. — Ordena.
Um escâner é prontamente entregue em suas mãos. Os braços da garota são soltos apenas pelo tempo necessário para que ele passe a grade vermelha pelo identificador perto da articulação, depois voltam a prendê-los atrás de suas costas.
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Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...