Quatro dias depois. Mercado político.
Preciso pegar a moto para ir até o local onde marquei encontrar com Lenina. Ela enviou uma mensagem para meu display informando o endereço, mas preciso usar o mapa e o localizador para achar o mercado político. Quando chego perto dele e estaciono a moto, passando o braço esquerdo pelo console do veículo, tenho certeza de que essa é uma região da cidade pela qual eu nunca passei. Caso contrário, saberia exatamente onde fica.
Trata-se de uma edificação murada em todos os lados, ocupando uma quadra inteira e de apenas um andar. Os muros são bastante altos, com passarelas no topo, como uma fortaleza. Sobre elas, guardas armados andando para lá e para cá o tempo inteiro. Os muros são pintados de branco, e a sua continuidade só é arruinada por um eventual prisma preto.
Há apenas uma única entrada, relativamente pequena. Uma porta de vidro a meia distância para o lado de dentro e, antes dela, uma cabine de controle protegida por vidro blindado. Quando me aproximo, percebo que quatro guardas, nas passarelas, acima, se posicionam dentro de duas torres de proteção na entrada e apontam suas armas para mim.
— Por favor, passe seu display no console junto da cabine.
Concordo e o faço. O laborador no interior do mínimo recinto de vidro usa um computador para acessar as informações. Aguardo pelo menos cinco minutos, enquanto ele aparentemente verifica o conteúdo de meu display em minúcias. Tento não olhar muito para a tela dele, incomodado pela mira das armas postas sobre mim.
— Pode entrar. — Diz, enfim, o laborador.
A porta de vidro abre e, quando eu passo, se fecha. Fico preso dentro de um cubículo limitado por paredes e portas de vidro fechadas. Uma linha de luz passa do chão ao teto, provavelmente verificando minha situação física e se carrego algum item comigo que possa ser considerado perigoso. Como vim só com a roupa do corpo, a porta seguinte se abre e passo por ela sem problemas.
O interior do mercado político é amplo e cheio de vidro. O teto tem barras de metal preto atravessadas de um lado a outro e, no intervalo quadrado entre cada uma delas, há vidro translúcido que permite a entrada de luz difusa, mas não a visão do interior, a partir do alto. Há paredes de vidro por todos os lados, com adesivos foscos para guiar o visitante pelos corredores formados por elas. Inúmeras pequenas salas espalham-se por todo o lugar, todas com consoles nas portas, permitindo que apenas determinada pessoa seja capaz de entrar em cada um dos minúsculos aposentos.
Não demora muito para que eu encontre Lenina.
Olho através do vidro do pequeno aposento. Ela está acompanhada, por alguma razão, de Ellie. Passo meu braço pelo console e a porta se abre lentamente.
Cada uma das salas possui uma mesa que vai de uma parede a outra. Uma barreira de vidro separa mercador e cliente, sobre a mesa. A única maneira de conversar é através de um dispositivo que passa a voz pelo vidro, uma espécie de microfone que parece flutuar no ar em frente a nossas bocas quando me sento.
— Seja bem-vindo. — Diz a garota de cabelos vermelhos, sorrindo. A voz que passa pelo dispositivo é metálica e artificial, quase como se fosse sintetizada.
A porta atrás de mim se fecha, isolando todo o ruído do lado de fora.
Estando dentro da sala vedada é estranho examinar todo o entorno. Cada uma das pequenas salas fica extremamente próxima da outra. Parece que, se eu estendesse o braço, seria capaz de tocar no homem à minha direita, ou na mulher à minha esquerda – não fosse, é claro, pelo vidro. Ao mesmo tempo, todos se ignoram. É como se eu estivesse completamente sozinho em uma sala repleta de pessoas.
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Deuses e Feras
Science-FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...