Eu fico calado, assimilando a informação.
— Estou condenado ao exílio. — Digo.
Sinto algo dentro de mim arder.
— Não ao exílio. À liberdade.
Minha mão direita passa pelo comprimento de meu braço esquerdo, agora bem menor, e alcança a ponta decepada. O curativo branco está pintado quase que completamente de vermelho. Ainda que esteja drogado por todo tipo de analgésico e anestésico, sinto dor ao tocar na ferida.
— Para ser livre, preciso sair de Dínamo.
Ceres olha para mim.
— Veja bem, garoto, você pode ficar em Dínamo, mas nada será como antes — diz. — Você pode até tentar viver aqui dentro, mas não vai poder aparecer em público. Não vai poder se locomover, usar o trem, os metrôs, os refeitórios, os dormitórios. Porque, para tudo isso, você precisa de um display para fazer check-in. Então precisaria viver escondido.
— Mas estaria desperdiçando tudo o que a imunidade tem a proporcionar. — Argumenta Kali.
Eu respiro forte.
— Para onde posso ir, então?
— Para o lado de fora dos muros.
— E o que há do lado de fora?
Todos ficamos quietos, no escuro, por algum tempo.
Eu os indago com os olhos, encarando um a um. Até que Ceres, Ellie e Kali olham para Blair. E, por consequência, eu faço o mesmo.
— Há a liberdade, a imunidade — diz ele, passando os olhos por todos. — É possível viver do lado de fora dos muros. Há lugares onde a Teia não existe. Onde todos são imunes.
Eu abro a boca para falar, mas percebo que não sei o que quero dizer.
Olho para a mercadora, a fatalista e a assassina, mas elas também nada dizem.
Então volto a olhar para ele.
— Como pode saber disso?
— Porque eu estive lá fora.
Permaneço algum tempo calado.
— Isso é impossível — eu digo. — Ninguém entra ou sai dessa cidade. É para isso que nós temos os muros—
— Harlan, Blair foi o único convocado de Dínamo para uma missão de conquista do lado de fora — diz Kali. — É algo quase secreto. Existem ocasiões nas quais pessoas são chamadas para formar um exército e partir em missões de conquista em lugares nos quais a Teia ainda não está presente. Em vilas e lugarejos onde todas as pessoas são o que você é agora.
Cerro os lábios e olho para o rebelde.
— E você foi a única pessoa de Dínamo convocada?
— As missões de conquista não são mais tão comuns quanto antigamente — diz ele. — E ter um exército permanente de nada serviria à Teia. Por isso eles convocam soldados de maneira aleatória em diversas cidades; um em cada uma delas. A decisão por apenas uma pessoa é para impedir a colaboração entre duas pessoas da mesma cidade e, também, coibir a rebeldia. A Teia compreende que, caso alguém tenha conhecimento do que existe do lado de fora da cidade, está mais pressuposto a ser um rebelde. Se houvesse duas pessoas que conheceram o exterior, na mesma cidade, talvez elas compactuassem e pudessem planejar algum tipo de ação que pudesse ser prejudicial ao fluxo e à Teia.
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Deuses e Feras
Bilim KurguEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...