Capítulo 51

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Nós três olhamos para o braço da garota, o display brilhando por conta da proximidade com dois de seus alvos.

— Os imunes estão em meu display? — Pergunta ela, genuinamente confusa.

— Estou falando de uma possibilidade, baseado no fato de que você seja uma rebelde prevista — diz Fenrir, mexendo apenas os olhos e os lábios, enquanto fala. — E eu acredito que você realmente seja uma falsa rebelde.

— Uma falsa rebelde? — Pergunto.

— Explique. — Diz ela.

Fenrir dá de ombros.

— Imagino que você saiba a respeito do paradoxo da falsa rebeldia, certo? — Ela não responde. — Quero dizer, toda a história de querer se rebelar contra a Teia, mas esta rebeldia já estar prevista em dados ocultos do display e ser uma espécie de contra-ataque da Teia contra os rebeldes?

— Eu ouvi falar disso — digo. — Foi um de seus fãs. Ele disse que você é um rebelde por não ser rebelde.

— Exato — ele concorda, dando um breve sorriso de dentes muito brancos. — Sendo a falsa rebeldia uma situação prevista no display e já programada anteriormente, a única opção real para a rebeldia seria a de não compactuar com este tipo de previsão. A solução seria a de seguir os dados visíveis do display, de forma a se rebelar contra a falsa rebeldia.

— Ser rebelde não sendo rebelde — resmungo. — Não faz nenhum sentido.

— Por isso chamamos de paradoxo, garoto. — Diz o artífice.

— E como se sabe se você é um rebelde? — Pergunta Kali.

— Todos são — diz Fenrir. — Todo e qualquer display possui duas programações. Uma delas é a programação normal, visível através da interface; a segunda é o lado B, programada em dados ocultos e visível apenas se fosse possível quebrar os códigos do display. Seria preciso crackear o display, o que é não apenas improvável, como impossível.

— Então todas as pessoas possuem tendência à rebeldia?

O homem faz um gesto de escárnio.

— Bem, sim. Como seres humanos, estamos todos propensos à subjetividade. Por mais que a Teia tente nos tornar robôs, continuamos sendo capazes de pensar — ele bate com um dos dedos duas vezes na têmpora. — Nossos pensamentos ainda estão livres da Teia. Ainda. Pelo que sei, estão botando em prática uma campanha de atualização de hardware. Quem quiser fazer o implante cerebral do display, por enquanto, tem que pagar. Mas, daqui a um ano, no máximo, a coisa vai ser incorporada completamente, e vamos sair em mutirões para atualizar os displays.

— Ouvi dizer que é possível compartilhar pensamentos no display aprimorado. — Digo.

— É possível, sim. — Diz Kali.

— De qualquer forma, é inegável que todos os habitantes da Teia possam sofrer uma crise de identidade ou ficar insatisfeitos com algum aspecto de seu destino — continua o homem. — Para compensar esse tipo de situação, existe a rebeldia prevista. Uma forma simples de controlar os cidadãos que não querem seguir o fluxo.

Eu e Kali concordamos.

— E onde os imunes entram, nisso?

O olhar do homem paira sobre a arma.

— Você poderia guardar essa pistola? — Pergunta ele. — Acho que eu me sentiria mais à vontade para falar sobre isso sem uma escrava da Teia prestes a fechar meu arco.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora