Dia seguinte. Depósito dos mercadores.
A garota está novamente dentro de seu centro de treinamento, dessa vez segurando um rifle e mirando em um alvo do outro lado do aposento. Kali está agachada, a arma firme nas mãos e o olho mirando através de uma lente. Sybil, sua tutora, está parada ao seu lado, em pé, de braços cruzados. E aguarda o disparo. As duas usam protetores auriculares.
O gatilho é pressionado.
O disparo é tão alto que tiro o fone de ouvido, irritado. Meus ouvidos zunem e eu massageio as orelhas.
— Tem que ter alguma maneira melhor de espionar alguém do que desse jeito. — Faço um gesto para o tampo de vidro da mesa.
— Ah, mas tem — diz Jayden, olhando para sua própria. — O maior problema é que, pra fazer isso, geralmente temos que sair do depósito. E, podendo acessar qualquer coisa daqui, porque sairíamos? Podemos contatar pessoas por videoconferência, ver fichas e relatórios através dos mantenedores, basicamente ir a qualquer lugar virtualmente através dos servidores da Teia. É por isso que a cidade está toda conectada, assim como nós — ele mostra seu display. — É uma pena que ainda não tenham descoberto uma maneira de roubar online também.
Por alguma razão me lembro de Ceres, a hacker.
— Sei de salteadores que roubam através da Teia. — Digo.
Jayden deixa de olhar para sua tela e me encara pela primeira vez desde o início da conversa.
— É sério?
— Sim.
— Preciso falar com essa pessoa, então. — Ele diz, sorrindo um pouco.
Ele toca na tela de sua mesa por mais alguns momentos.
— Você comentou de uma difamadora, no outro dia — resmunga ele. — Me contou que descobriu alguma coisa através dela.
— Sim. Foi essa difamadora que me disse que foi a Kali quem roubou o colar de mim. — Respondo, lançando um olhar de esguelha para a tela à minha frente. A fatalista aparentemente não acertou o centro do alvo na primeira tentativa, e agora se prepara para atirar uma segunda vez.
Jayden concorda com a cabeça, olhando para a tela de sua mesa.
— Bom, talvez seja uma boa ideia tentar extrair alguma coisa dela — diz ele. — Quero dizer, se ela sabia que a Kali tinha roubado o colar de você, então certamente sabe de mais coisas. E, o que não souber, pode dar um jeito de descobrir. Como estão seus créditos?
Como tudo na Teia funciona a partir de créditos, preciso, é claro, pagar a difamadora pelo serviço prestado. O mesmo ocorre comigo. Nos dias de repasse os créditos são automaticamente depositados em nossas contas virtuais dependendo da quantidade e qualidade do que roubamos na semana que se passou.
— Tenho alguma coisa. Acho que é o suficiente.
— Então, se você acha que vale a pena, invista na garota — diz ele. — Na sua garota. Mas não se esqueça de que a Teia não vai esperar por você. É melhor que continue atrás dos seus outros alvos, também.
— Esse é um dos problemas. Sobraram bem poucos.
Ele levanta as sobrancelhas e olha para o teto, como tentando se lembrar de algo.
— Ah, claro. Você é um curinga. Preparado pra passar um tempo na CMT, esperando pela segunda inserção? — Pergunta meu amigo. Percebo uma leve ironia e provocação na voz dele, quase pouco demais para se dar atenção, mas o bastante para que eu a note.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...