Capítulo 69

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De volta à rua.


— Deixe-me ver esse colar — diz Jayden, se aproximando de mim e estendendo a mão. — Quero saber se existe algo valioso o bastante para justificar tudo o que aconteceu com você.

Eu seguro o colar com força.

— Não. Não posso deixar que você o pegue.

Jayden mantém a mão no ar, por alguns instantes.

— Ele é valioso demais. Valioso demais. — Murmuro.

Meu amigo olha para o pingente. Os inúmeros polígonos que o formam refletem a luz como um mosaico.

— Está bem. — É tudo que ele diz, mas eu vejo em seus olhos que algo mudou.

Algo mudou em mim.

— Desculpe, Jayden — digo. — Desculpe.

— Tudo bem. — Ele diz.

Põe as mãos nos bolsos e se vira, caminhando para longe de mim.

— Aonde você vai? — Pergunto.

— Não importa.

Ele apenas levanta a mão esquerda, despedindo-se. E envereda pelas ruas.

Sinto uma pontada de dúvida e ódio, mas eu a ignoro.

Viro para a outra direção e caminho, decidido.

Toco em meu display e procuro pelo nome de Ceres. Quando o encontro, faço a ligação.

— O que você fez? — Pergunta ela, quando atende.

— Como assim?

— O que você fez com a Kali?

— Eu roubei o que era meu por direito — digo. — O que os mantenedores me deram um prazo de setenta e duas horas para roubar, com prioridade máxima. O que eu deveria ter feito há muito tempo. O que eu tenho tentado fazer há muitos meses e só agora tive coragem o bastante para efetivar.

Há estática por alguns instantes.

— E você sabe o que isso significa, não sabe?

Eu respiro forte.

— É melhor que você esteja preparado para não passar de amanhã. — Ela diz.

— O que quer dizer com isso?

— Acha que a Kali vai aceitar o que você fez a ela? — Pergunta Ceres. — Acha que ela vai aceitar a sua traição? Ela vai procurá-lo o mais rápido que puder, e ela vai matar você. E eu não vou falar nada, não vou fazer nada para impedi-la, porque você fez a única coisa que não deveria fazer. Você a traiu.

— Tudo o que fizemos até agora foi inútil. Foi irrelevante. — Digo.

— Talvez você não tenha lutado tanto quanto ela.

Eu não lutei? — Grito no meio da noite. Um sádico que passa levanta os olhos de seu display para mim, mas continua seu caminho. — Eu matei uma pessoa que estava no display dela, tudo pela merda da atualização que ela achava que conseguiria para nós. Para nós dois! E para quê? Eu me tornei um assassino à toa, eu matei aquela mulher à toa, porque ela está louca! A Kali é insana, ela não sabe o que está fazendo!

— Nem você, pelo visto.

Eu respiro ainda mais forte.

— O quê? O que é que eu não sei?

— Você não sabe de nada do que ela tem feito — diz Ceres. — Não sabe um décimo do que ela tem arriscado por você. E, aparentemente, também não tem ideia do quanto esse colar significa para ela.

Mais um momento de silêncio.

— Ou significava.

Ando decidido pelas ruas, as sobrancelhas crispadas, mas a mente distante, ainda que tomada pela fúria.

— Tudo o que ela fez foi porque ela acreditava que existia algo entre vocês dois. Algo diferente — diz Ceres, mais séria do que o normal. — Algo que fazia com que o pareamento de vocês se destacasse. Para ela, sempre houve um motivo para que vocês fossem pares únicos. E é por vocês, por vocês dois, que ela tem lutado durante todo esse tempo. E ela continua lutando, ao contrário de você. Você desistiu.

— Sim, e talvez seja melhor assim — eu digo, ríspido. — Eu nunca a vi lutar por mim.

— Então não estava olhando. E, se olhava, não via.

Cerro meu punho.

— Eu não liguei para você para isso — respondo. — Preciso da localização de uma pessoa.

Pelo menos metade de um minuto se passa sem que eu ou ela fale qualquer coisa.

— Quem?

— Lenina Crenshaw.

— A garota que traiu a Kali? — Pergunta ela. — Que disse aos mantenedores que ela iria matar Morfeu?

— Eu pago a você pela localização com um dos elos do colar.

Um dilema moral parece se desenrolar do outro lado. Ceres suspira.

— Está bem, garoto. Vou baixar a posição geográfica dessa garota para você.

Em um instante meu display se ilumina. Acesso o mapa e vejo que há um novo ponto vermelho indicado nele.

— Ótimo. — Digo.

A hacker parece pensar por mais alguns momentos.

— Escute, garoto, eu espero que você esteja preparado para enfrentar as consequências do que fez e do que está prestes a fazer — diz ela. — É melhor que saiba que amanhã é o seu último dia inserido na Teia. A Kali não o poupará, e eu não tenho ideia do que mais ela pode ser capaz de fazer.

— Não importa — digo. — Nós nunca tivemos qualquer chance.

Mais estática.

— Torça para que ela o poupe, Harlan — diz Ceres. — Torça para que ela ainda o ame depois dessa noite.

Fico calado.

— Porque eu não amaria. — Ela diz, e desliga.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora