Começo da manhã. Dormitório.
— Eu fui roubado.
Jayden e Mael me encaram, o segundo com crescente desconfiança.
— Roubado? — Olha em volta. O dormitório começa a se esvaziar aos poucos, ainda que algumas pessoas que trabalham à noite estejam chegando. — Eu falei desde o começo que vir para esse dormitório era uma péssima ideia–
— Fique quieto, Mael. Deixa o Harlan falar. — Jayden interrompe o namorado.
— Não foi alguém daqui — digo, e o erudito automaticamente relaxa. — Um ano atrás.
Jayden dá um sorriso de leve.
— Você descobriu o que aconteceu com o colar, então.
— Eu fui roubado pela Kali. — Respondo.
Os dois ficam me olhando por algum tempo, até que Mael cruza os braços.
— Pelo que entendi, essa garota é uma fatalista. Logo, é impossível que ela tenha roubado qualquer coisa de você — argumenta. — É terminantemente proibido fazer qualquer coisa fora do display.
— Mas estamos falando da mesma pessoa que, por matar alguém antes do tempo, causou uma quebra de fluxo e a atualização, consequentemente — eu respondo, enquanto levanto e largo em cima da cama o lençol com o qual me cobri durante a noite. — Ela jamais registrou o roubo do colar, justamente por ser ilegal. Tanto que ainda me exigem essa maldita joia em todos os dias de repasse.
Jayden concorda com a cabeça, enquanto Mael continua me avaliando com os olhos.
— Queria saber o que aconteceria se soubessem que ela me roubou ilegalmente.
Saímos do dormitório e vamos caminhando devagar pelas ruas. Choveu à noite. Tem poças espalhadas por tudo, mas o clima está apenas fresco.
— Uma atualização? — Pergunta Jayden.
— Vocês só podem estar loucos de achar que o roubo de um colar fosse causar uma atualização daquele tamanho — diz Mael, rabugento. — Com toda certeza, se a atualização teve a ver com essa garota, foi porque ela matou alguém antes do tempo, ao invés de meramente roubar um colar. Um colar roubado está longe de ser o bastante para justificar uma atualização como a que aconteceu. Nos vemos mais tarde. — Ele levanta a mão para se despedir de mim, beija Jayden e parte pela rua em outra direção, enquanto eu e meu amigo vamos ao metrô.
O vagão em que entramos está silencioso, apesar de lotado. Todos no interior permanecem quietos, cada um absorto em suas próprias ocupações – a maior parte com os olhos grudados no antebraço esquerdo ou em tablets – também chamados de "segunda tela". Eu e Jayden entramos e nos seguramos em um cano de metal que passa pelo teto. Logo, o trem parte e tudo que podemos ouvir é o som dos motores e o silvo do vapor da água que os resfria.
— E como vão os seus alvos? — Pergunto.
— Vão bem — diz Jayden, olhando para fora da janela, que mostra apenas as paredes internas do túnel do metrô. — Acho que, no final de semana, vou ao centro para roubar uma artífice que ficou obcecada com sua própria produção.
— O que tem de roubar?
— O HD dela, com todos os seus projetos e trabalhos prontos — diz ele, dando de ombros. — Ouvi dizer que é por isso que os artífices são proibidos de fazer backup de seus projetos. Tenho que roubar a coisa mais valiosa dela.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...