Dez minutos depois.
Eu quero fugir.
Mas há um peso enorme sobre as minhas costas. Ainda que eu queira correr, minhas pernas parecem mover-se devagar demais. Por mais que eu queira usar minha moto para atravessar a Zona Industrial, o subúrbio e desaparecer no meio das montanhas fora dos limites da cidade, não posso. Nem ao menos tenho uma moto.
Um soco me atinge e eu caio no chão.
Meu rosto é prensado contra o asfalto e, com o canto do olho, vejo que Kali está na mesma situação. Um mantenedor de capacete junta os braços dela com violência, e outro faz o mesmo comigo. Algemas eletromagnéticas são postas em nossos pulsos e, então, somos incapazes de nos soltar.
Quando eles terminam, somos levantados e postos contra a parede do Núcleo de Nascimentos.
— Eu gostaria de saber se houve algum problema, algum ruído em nossa comunicação — diz Dimitri O'Neil, às nossas costas. — Pelo que me recordo, nós entramos em um acordo em que todos seríamos beneficiados. Vocês cumpriam com seus displays e nós não os levávamos para a CMT. Acredito que a proposta tenha ficado clara.
Nem eu, nem ela falamos nada.
— Ficou? — Pergunta o mantenedor, com ferocidade na voz.
— Sim. — Eu digo, baixo, percebendo que Kali não dirá nada.
— Ótimo — O'Neil anda às nossas costas, sua voz se movimentando junto com ele. — Por essa razão, estou tomado por uma séria dúvida. O que os levaria a cumprir com as conquistas um do outro, ao invés de assumir as responsabilidades de seus próprios displays?
Ele para.
— Podem me explicar? — Grita.
Kali se mexe, tentando se soltar.
Com um chute ela se livra do homem que a estava segurando, e, com uma joelhada, o põe no chão. Ela consegue correr por dois metros antes que Dimitri a interrompa, lançando-se sobre ela. Os dois caem com impacto e ele a levanta em seguida, jogando-a com força contra a parede.
— Eu achei que você tinha entendido as regras por aqui — diz o mantenedor, empurrando o rosto dela contra a parede, as falhas desta raspando em sua pele. — Espera-se que as pessoas aprendam com seus erros, não que sigam errando.
Ele se cala, e segura o rosto dela com a mão esquerda. Puxa-o e a encara.
— Está drogada — diz, e a empurra na direção de uma mantenedora. — Vasculhe-a.
Dimitri cruza os braços e espera.
A mantenedora tira a sacola de Kali, joga-a para outro mantenedor, próximo da porta de um dos carros. Dou uma olhada no cenário. Há quatro carros e cerca de quinze mantenedores. As barras de led tradicionais piscam como de costume, fortes o bastante para alcançarem as nuvens baixas que começam a escurecer o final do dia.
A mulher balança a cabeça negativamente e devolve meu par para Dimitri. O outro mantenedor, porém, tira o pacote embalado a vácuo de dentro da sacola.
— Nectarina. — Afirma ele, depois de provar o gosto do pó azulado.
— Recolham.
O mantenedor estende a mão, e a garota vai até ele, empurrada.
— Onde você conseguiu isso? — Ele pergunta, irritado. Uma mecha de seu cabelo se soltou e pende sobre sua testa. — Sabe que o consumo dessa droga é terminantemente proibido, sob qualquer circunstância.
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Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...