Madrugada. Mercado Político.
O ponto vermelho no mapa do meu display agora indica Lenina. Ela se encontra no Mercado Político.
As luzes do interior estão acesas, assim como há uma pessoa dentro da cabine de controle de entrada no prédio. Dínamo nunca dorme.
Dou meu braço ao escâner. O laborador do lado de dentro olha para minhas informações.
Meu display está vazio.
Mas a entrada é liberada, como já foi liberada em outras ocasiões. E eu passo pelos detectores sem qualquer tipo de preocupação. O colar de metal que seguro firme em minha mão não é detectado como uma arma, e eu entro sem problemas.
Lenina está em uma sala de conferências. O interior do Mercado Político está quase vazio, com apenas uma dúzia de pessoas fazendo transações dentro das cabines de vidro. Na sala de conferências, repleta de sofás circulares e mesas no centro deles, há ainda menos pessoas.
E, sentada em um desses sofás, está Lenina.
Duas de suas amigas estão presentes, e elas conversam animadamente, dando pequenas risadas sobre nenhum assunto em particular. Ellie, a fatalista aliada de Kali, por sua vez, não está entre elas.
Eu me aproximo e paro junto da mesa.
As três olham para mim.
— Harlan — diz Lenina, genuinamente surpresa. — O que está fazendo aqui?
Olho para suas amigas.
— Eu... preciso falar com você. — Peso as palavras. Lenina percebe o que quero dizer.
— Escutem, eu volto mais tarde — diz ela, tocando de leve nos ombros das amigas e passando por cima do colo de uma delas para sair de trás da mesa. — Vamos até uma das cabines privadas.
Não digo uma palavra enquanto nos deslocamos pela sala principal, indo até uma das portas mais distantes, como fizemos em todas as vezes que ela me chamou até aqui para vender informações sobre Kali. Durante o caminho, aperto forte o colar dentro de minha mão. Cada um de seus elos fica marcado em minha palma.
Ela passa seu display pelo console da porta de uma das cabines. Ela se abre com ruído de pneumática.
Nós entramos e eu sento em um dos lados. Ela passa para o lado de dentro, também, e toca no console. A porta de vidro gradualmente se torna opaca, impedindo que o que se passa no interior seja visto do exterior. E, dessa vez, ela senta no mesmo banco que eu, ignorando completamente o lado oposto da mesa.
— O que você tem a dizer? — Ela pergunta.
Eu não digo nada.
Apenas levanto a mão e a abro, segurando a corrente. O colar despenca e pende, balançando muito de leve, o pingente brilhando e refletindo nos olhos dela. A boca dela se abre muito pouco, e seus olhos acompanham o leve dançar da aranha.
— Você... o que você fez?
— Eu cumpri com o meu destino.
Ela estende a mão à frente, para o colar.
Eu recuo com ele. Da mesma forma como fiz com Jayden, parece que ele é muito precioso para ser segurado por qualquer mão além da minha. Mas ela me olha com muita convicção e certeza, enquanto sua mão esquerda passa pelo meu ombro. Eu entrego o colar a ela.
Lenina sorri um sorriso que não mostra os dentes. Um sorriso apenas de lábios pintados de vermelho.
— Então é isto que mudou tudo. — Ela olha a joia de muito perto.
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Deuses e Feras
Ficção CientíficaEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...