Capítulo 57

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Começo da noite. Dormitório parcial.


Eu e Kali atravessamos a cidade de uma ponta a outra usando apenas metrôs internos e caminhando entre uma estação e outra, de maneira a evitar a verificação tradicional que ocorre tanto nos viadutos para o centro quanto no trem principal. A única forma de passar despercebido é a mais longa e demorada. Os metrôs internos fazem voltas e mais voltas, mas levam aos mesmos lugares. Só é preciso saber quais utilizar.

Descemos bastante perto da estação da Praça Atômica, mas seguimos no sentido contrário.

— Você trouxe as roupas pretas? — Pergunta a garota, referindo-se ao que me pediu por uma ligação.

— Sim.

— Espero que você esteja preparado para agir como um fatalista, hoje — diz ela, e poderia ter sorrido, mas não o faz. — Eu vou lhe dar uma arma, mas você precisará tomar cuidado com o que faz com ela. Não queremos arranjar ainda mais problemas com a CMT. Então mire nas pernas, se precisar atirar.

Continuamos caminhando. Dínamo está em seu horário de pico, com carros andando em alta velocidade pelos viadutos, pelas ruas e ruelas, e pessoas preenchendo as praças e calçadas. Diversos restaurantes e bares começam a receber seus clientes e eu sinto uma estranha inveja, um sentimento de injustiça, vendo a realidade trivial dos habitantes da Teia.

A minha realidade.

— Qual é o sentido de tudo isso? — Pergunto à garota. — Porque só agora a vida em Dínamo me parece... errada?

— Porque agora você sabe — diz ela. — Saber é o que importa. E eles não querem que nós saibamos.

Tento ignorar o frenesi da cidade e me focar no que temos de fazer.

— Nós vamos começar por Jeanine Morgan, a mulher responsável pela seleção de cura — diz Kali. — Ela é a mais próxima de zerar o display. Assim que ela o fizer, estaremos prontos para ir atrás dela. Até lá, vamos esperar em um dormitório parcial.

Ela abre o display hackeado da mulher.

Aponto para a galeria de alianças da mulher de casta política, ainda cheia de assinaturas digitais.

— São apenas parâmetros para a vida na Teia — explica Kali, antes que eu pergunte. — Não definem nada, quando o assunto é o fechamento de arco. Não impedem que o arco seja fechado, até porque as alianças nem sempre supõem algo a ser feito.

Recolho minha mão, percebendo que quase toquei no display dela.

— E, agora, vamos para um dormitório parcial.

— Sim. A previsão é que a última conquista de Jeanine seja alcançada durante a madrugada — diz Kali. — Um substituto já foi selecionado para assumir sua função.

Não demora muito para que nos aproximemos de um dos dormitórios parciais. Trata-se de um dormitório que qualquer pessoa, de qualquer casta e gênero, pode utilizar. Funciona como os dormitórios de casta, mas tem acesso liberado.

É um prédio diferente dos dormitórios do subúrbio, onde há mais espaço físico e a maior parte dos prédios é construído horizontalmente. Este dormitório é mais vertical do que horizontal, com quatro andares e revestimento externo em vidro, com a estrutura metálica aparecendo por debaixo. Todo o lugar tem um estranho formato oval, e as luzes brancas no interior, ainda acesas, fazem com que o edifício pareça uma joia brilhando na noite, que desce rápida. Conforme o Sol deixa Dínamo para trás, o frio parece mais severo e agudo.

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