Apenas algum tempo depois é que percebo onde estamos.
Há pouquíssimos focos de luz no servidor, e todos eles são lanternas.
As luzes que percorrem o teto estão desligadas, assim como as mínimas luzes coloridas dos computadores do servidor de Ceres. Depois que Kali e Blair ajudam a me levantar, eles me carregam até a parte central do lugar.
Lá estão Ellie e Ceres.
Eu olho para as duas. E o olhar que elas me lançam é sério. Nenhuma delas fala nada. Mas quatro olhos resvalam para meu braço esquerdo, e o sentimento de estranheza no ar é evidente. Elas não me cumprimentam, e apenas aguardam enquanto eu sou levado, caminhando com muita dificuldade, até uma cadeira pouco confortável.
Minha cabeça gira, e eu sinto dificuldade em me concentrar em qualquer coisa que seja. Há dor, mas ela não é forte como deveria ser.
— Você precisa se concentrar — diz Kali, abaixando-se à minha frente para conseguir me olhar nos olhos. — Você está drogado, e vai continuar assim até que tudo termine. Quando terminar, você vai sentir dor. Vai sentir muita dor. Mas é um esforço necessário. Vou estar com você até o final.
Não tenho certeza de como responder, então concordo.
— O que estamos fazendo aqui? — Pergunto.
As três telas de computador sobre a mesa de Ceres estão desligadas. Os computadores, também. Eu jamais imaginaria que isso seria possível, mas, aparentemente, é. Ainda que nenhum computador possa ser desligado, esses estão. Estão mortos.
— Fique tranquilo, estamos seguros — diz a mulher, sentada em sua habitual cadeira de rodinhas, que range quando ela tenta se arrumar sobre ela. — Eu destravei os computadores e encontrei uma brecha no sistema de segurança do servidor. Consegui desligar tudo. Estamos offline e completamente invisíveis para a Teia — ela põe a franja atrás das orelhas. — Devido à quantidade de servidores espalhados pela cidade, eles vão demorar algum tempo até nos encontrar, mas não tanto tempo assim. Por enquanto, vai servir.
Lanço um olhar na direção da porta de entrada. O console ao lado dela também está apagado.
— E quanto aos... — E me interrompo.
Olho para o chão até conseguir falar a palavra.
— E quanto aos displays de vocês?
— Criei um campo eletromagnético que anula o sinal sem fio que nos conecta à Teia — diz a mulher, mostrando o braço esquerdo. — Os displays continuam ligados e funcionando, como sempre, mas estão incapacitados de receber e mandar informações, não importa quais. Também por isso usamos um furgão protegido, invisível, para vir até aqui. Para a Teia, vocês desapareceram no momento em que saíram da CMT.
Eu respiro fundo e olho o entorno. Os rostos de Kali, Ellie, Ceres e Blair são iluminados de leve pelas lanternas. Eu tento desembaralhar meus pensamentos.
— Porque... — Eu pergunto, primeiro em voz baixa, tentando eu mesmo descobrir o sentido de minha pergunta, para, depois, fazê-la em voz alta. — Porque vocês fizeram isso?
Ceres, Ellie e Blair olham para a assassina.
— Eu fiz. — Diz ela.
Ela se senta em uma cadeira próxima a mim. Os outros também se sentam, e formamos um círculo.
— Eu precisava salvar você, Harlan — diz Kali. — Tudo o que aconteceu até agora foi culpa minha. Começou com algo infantil, algo que eu não sabia que me traria... que nos traria até esse ponto. Começou no momento em que decidi roubá-lo. No momento em que eu decidi que queria, de alguma maneira, me sentir mais conectada a você — vejo, em seu rosto, certo rubor. — E, para mim, a melhor maneira de fazer isso era tendo algo que fosse valioso para você.
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Deuses e Feras
Science FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...