Capítulo 61

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Meio-dia. Refeitório de Kali.


Passei a manhã inteira tentando encontrá-la.

Em vão.

Kali desapareceu de vista. O dispositivo de georreferenciamento, que paguei a Ceres para ter, simplesmente parou de funcionar. O ponto vermelho que representava a garota não está mais lá, e restou apenas a seta branca que me representa apontando para lugar nenhum.

Quando o dispositivo parou de funcionar, tentei ligar para ela.

Sem resposta.

Decidi que o bloqueio no serviço de georreferenciamento deve ter sido reflexo de algo referente a Ceres e à própria vontade de Kali de desaparecer. De tornar-se impossível de rastrear, pelo menos para mim. Não há dúvidas de que ela pediu à hacker que o bloqueasse. Se ela teve poder para inseri-lo no meu display, certamente também o tem para tirá-lo.

Com o peito apertado, decido recorrer à mais tosca e rudimentar de minhas estratégias.

Ir a seu refeitório.

Sento sozinho em uma mesa com lugar para quatro, e olho para todos os lados, procurando pela fatalista. Ansiando por sua chegada.

Mas ela não vem.

— Almoçando sozinho?

A voz é conhecida.

Olho para o meu lado esquerdo. De lá vem Lenina e Ellie.

— Onde está a sua garota? — Pergunta Lenina com um sorriso se formando nos lábios vermelhos.

— Não sei. — Cuspo uma resposta.

As duas param perto da mesa.

— Isso é inusitado — diz ela. — Vocês andavam tão grudados que eu não esperava ver você sozinho outra vez.

Só lanço um olhar para ela, sem falar nada.

— Podemos sentar?

Ellie fica atrás da garota de cabelos vermelhos, obedientemente aguardando enquanto a mercadora fala. Mas seus olhos parecem passear o tempo inteiro por todo o refeitório, e pela mesa, e por mim. Elas largam suas bandejas em dois dos lugares vagos e se sentam.

Eu evito olhar para elas.

— Vamos lá, Harlan. Ainda está bravo?

— Não, é claro que não — digo, irônico. — Nem fiquei preocupado com o fato de você estar chorando suas mágoas porque é um alvo de Kali, ao mesmo tempo em que me escondia o fato de que eu também sou um alvo dela. Tudo bem você esquecer que a minha morte era iminente, certo?

Ainda que suas bochechas fiquem coradas, tento não acreditar nela.

— Me desculpe — diz. — Eu só estava... com medo.

Eu não digo nada. Ela passa as duas mãos pelo rosto, como que tentando se recompor.

— Eu vi você mancando — diz. — O que aconteceu?

— Torci o tornozelo.

— Como?

Faço que não com a cabeça.

— Não quero falar sobre isso. Não com você.

Eu como olhando para os lados, evitando deixar que meu olhar recaia sobre elas. Ao mesmo tempo, Lenina permanece me encarando, aguardando que eu olhe para ela.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora