Capítulo 82

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Uma agulha se crava na minha pele.

O conteúdo da seringa é injetado.

Meus olhos se arregalam, meu cérebro reage, meu corpo inteiro parece tomado por uma corrente elétrica.

Subitamente, estou acordado.

Como se incapaz de respirar antes, encho meus pulmões de ar até parecerem prestes a explodir. Todos os meus músculos se alongam e se contraem. Olho, mas não enxergo.

Estou vivo.

Pisco inúmeras vezes.

— Harlan.

Minha respiração é inconstante. Não sinto dor, mas sei que deveria sentir.

— Harlan. — Ela chama, outra vez.

Eu pisco mais algumas vezes.

Kali está ajoelhada a meu lado. Logo que a vejo, tento me sentar, mas ela me segura pelos ombros, me prensa contra o chão. Fraco como estou, qualquer esforço é demais, e a pressão das mãos dela é o bastante para me imobilizar.

As mãos dela sobem para meu rosto, e ela o toma em suas palmas. Palmas quentes.

— Acalme-se — ela diz. — Acalme-se.

— O que aconteceu? — Eu pergunto, a voz tremendo.

— Está tudo bem, agora — diz Kali. — Confie em mim. Está tudo bem.

Meu corpo inteiro treme.

— O que você me deu?

— Uma injeção de adrenalina — ela responde. — Para manter você acordado. Para mantê-lo pronto.

Tento pensar, tento entender o que ela quer dizer com isso.

Vem à superfície de minha mente a lembrança do que aconteceu na CMT.

Levo a mão até o ferimento na barriga, e percebo que há um grande curativo sobre ele.

Temeroso, com uma voz gritando em desespero dentro de minha cabeça, eu levanto um pouco a cabeça, tentando enxergar meu braço. Kali põe a mão sobre meu ombro esquerdo.

— Harlan, você não precisa fazer isso. — Diz ela, e, em seus olhos, vejo uma nesga de pena.

Empurro a mão dela com a minha, e levanto, centímetro por centímetro, o que restou de meu braço esquerdo.

Fecho os olhos e bato com a cabeça contra o concreto, com força o bastante para que explodam dentro de minhas pálpebras novos espectros azulados. Tento respirar fundo, tento me concentrar e me acalmar, mas parece que o tamanho de meus pulmões diminuiu a um quarto do original. Todo o ar que consigo inspirar não é o bastante. Tento reassumir o controle sobre mim, antes que comece a convulsionar.

A assassina apenas fica ajoelhada a meu lado, olhando para mim.

O braço foi cortado um pouco acima do cotovelo. Completamente decepado do restante de meu corpo. Desconectado de mim. No toco, um enorme curativo se mancha de vermelho um pouco mais a cada batida de meu coração. Fitas adesivas brancas prendem tudo no lugar, subindo até meu ombro e axila. Mas meu antebraço ainda parece estar aqui. É como se eu ainda o sentisse fazer parte de mim.

Ainda que não faça.

A garota desliza sua mão pelo meu braço que restou, e seus dedos se entrelaçam com os meus. Eu os aperto com força, e ela retribui. Ficamos um longo tempo parados, segurando a mão um do outro, cada um tentando implicar mais força, como se tentássemos nos ferir.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora