Noite. Centro de treinamento.
É a primeira vez que entro no lugar sem sentir um peso na consciência por estar fazendo algo para espionar meu alvo e par. Passo o braço no console ao lado da porta e ela se abre com um estalo. Atravesso a curta passagem em arco e chego ao interior. Impossível entrar lá e não olhar para os cantos entre as paredes e o teto, onde as minhas duas últimas câmeras continuam alojadas.
Kali está sentada em um dos equipamentos para musculação, perto da porta do vestiário.
A maior parte das luzes está desligada, da mesma forma como estiveram no dia em que a tirei da CMT. Algumas delas, junto das paredes, permanecem acesas, mas são difusas e iluminam muito pouco.
A garota enrola na mão direita uma faixa branca, junto do pulso. Quando a porta se fecha atrás de mim, ela levanta os olhos.
— Você não deveria se aproximar de mim — diz ela. — Eu sou sua fatalista.
Paro um pouco distante dela. Fico longe de qualquer outra coisa, também. A parede fica a diversos passos de mim, assim como os outros equipamentos de musculação. Parece que estar parado no meio do aposento é errado, como se eu precisasse de algo em que me apoiar para continuar em pé.
— Mas também é meu par. — Digo.
Ela continua me olhando.
— E também é meu alvo — continuo, minha voz saindo baixa, na defensiva. — Acho que temos mais em comum do que apenas o fato de sermos pares um do outro.
O olhar dela não hesita, me examinando a fundo.
— Pares únicos. — Acrescenta.
Concordo com a cabeça.
— O que está fazendo aqui? — Ela pergunta. — Achei que estaria com a Lenina. Pelo que sei, você estava me investigando através dela. — O tom não é pesado, embora as palavras carreguem, consigo, uma carga intrínseca de ironia.
— Não há mais nada que eu precise saber por ela.
Kali nada diz, e então volta a olhar para o punho. Ela passa a faixa mais algumas vezes em torno dele, trançando-a em alguns pontos, apertando firme. A ponta do final cola com um adesivo na própria faixa, e a garota testa o punho, girando-o, abrindo e fechando a mão.
— Eu quero ajudar você. — Digo, respondendo à pergunta dela.
A fatalista se apruma sobre o equipamento, colocando as mãos entre as pernas, esquentando-as com o próprio calor.
— Eu não preciso de ajuda. — Ela diz.
— Precisou quando estava presa na CMT — digo, lembrando da última vez em que estive neste mesmo lugar. — Você disse que solicitaria ajuda, se precisasse, e eu sei que usou sua campainha. Eu vi, quando estava saindo, que você tirou ela de seu braço. Ceres disse que as campainhas são descartáveis, só se pode usar uma vez. E você a usou.
Kali parece desconcertada, embora haja pouco reflexo disso em sua expressão. Mas tenho certeza de que está lá.
— Eu não preciso de sua ajuda agora — ela se corrige. — Preciso apenas que você fique distante. Preciso que você demore o máximo possível para completar sua lista de conquistas. Quero que nosso pareamento não ocorra antes do momento certo.
— E qual seria esse momento? — Pergunto. — Pelo que sei, você estava tentando se livrar de mim quando foi até Fenrir. Com a suposta atualização.
![](https://img.wattpad.com/cover/58445859-288-k411099.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Deuses e Feras
Khoa học viễn tưởngEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...