Um dia depois. Depósito de mercadores.
Quando chego ao depósito, ela está lá.
Não Kali, mas Lenina.
A garota de cabelos vermelhos está parada ao lado de minha mesa, incapaz de se mesclar ao ambiente.
— Quem é essa garota? — Pergunta Jayden, em voz baixa, enquanto nos aproximamos dela com passos lentos, para que dê tempo de conversarmos a respeito antes de a alcançarmos.
— Lenina. É a difamadora — respondo. — Eu a contratei pra descobrir mais a respeito da Kali, como a gente conversou, no outro dia.
— Bem, vale a tentativa. Mas fique de olho.
Eu olho na direção dele, surpreso.
— Como?
— Fique de olho. — Ele apenas repete.
Concordo com a cabeça, apesar de não ter entendido de todo. As outras mesas começam a ser preenchidas aos poucos, enquanto os salteadores aparecem. Alguns não vêm. Muitos trabalham durante o dia, apesar de a luz natural dificultar, em alguns momentos, a prática. Os mercadores que usam as mesas durante o dia normalmente planejam os roubos para a noite – como é o caso de Jayden.
— Como entrou aqui? — Pergunto à garota, confuso.
— Antes de qualquer outra coisa, sou uma mercadora — diz ela, dando de ombros. Seu corpo inteiro parece refletir o movimento. — Mesmo que eu trabalhe mais no mercado político, os difamadores têm uma área designada, aqui no depósito. Mas temos apenas computadores, HD's e armários pequenos. Ao contrário dos outros mercadores, descobrimos que existem coisas muito mais valiosas que joias ou veículos.
Olho para ela com o canto do olho, captando a crítica.
Passo o braço pelo console do computador da mesa e ele imediatamente acende a tela.
— Não me preparei para gastar mais trezentos e cinquenta créditos hoje. O que você quer?
— Não estou aqui para cobrá-lo — diz ela, apoiando as duas mãos nas bordas da mesa e se curvando um pouco. A porção de pele nua que a gola de sua blusa mostra aumenta um pouco. — Estou aqui porque você é meu cliente. E eu prezo pela fidelidade.
Ela dá um sorriso em minha direção. Retribuo erguendo as sobrancelhas.
— Preciso saber o que você já sabe a respeito da Kali.
Toco na tela e abro a ficha de Kali, girando-a com a palma aberta e empurrando-a virtualmente na direção da difamadora.
— Sei tudo o que me é permitido saber — digo. — Agora tenho acesso total a seu display, mas isso é completamente inútil. Não muda nada. A ficha também foi desbloqueada depois da sua ida à CMT, há algum tempo. E é só.
— Acho muito difícil que, tendo perseguido ela por tanto tempo, você saiba tão pouco.
— Se soubesse mais, com certeza teria sido capaz de roubá-la. — resmungo, irritado não com ela, mas comigo mesmo.
— Então você tentou roubá-la.
— É claro que sim — retruco. — Depois de uma cerimônia de inserção. Ela estava na feira de mercadores, procurando por alguma coisa. Eu me escondi no meio das tendas e puxei ela para um beco. Caímos no chão, e eu tive o controle por alguns segundos. Mas ela me superou e bateu com a minha cabeça no chão antes de ir embora. Naquele mesmo dia, ela "comprou" uma faca com gume laser. A faca do homem que ela matou.

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Deuses e Feras
Science-FictionEm um futuro distópico, a Internet transformou-se em um instrumento de governo. Os países e nações desapareceram para dar lugar a um Estado virtual que governa a tudo e a todos por meio de dispositivos implantados nos braços dos cidadãos. Cada um de...