Capítulo 36

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Cinco dias depois. Refeitório da Kali.


Passo pelas bancadas e, enquanto os laboradores do outro lado servem a minha bandeja, procuro, com os olhos, pela fatalista. A princípio, porém, sou incapaz de encontrá-la.

Lenina cumprimenta suas amigas, incluindo Ellie, e, então, me segue até uma mesa vazia no meio do refeitório. Sento virado para a entrada.

Meus olhos buscam por ela o tempo inteiro, em vão.

— Está procurando Kali? — Pergunta Lenina.

Não respondo. Ela segura meu queixo com os dedos finos, as unhas roçando na minha pele, e puxa meu rosto para encará-la.

— Concentre-se — diz ela. ­— Ver essa garota não vai fazer diferença nenhuma, principalmente porque você mesmo me disse que ela não quer ver você. Então é melhor que se concentre no que realmente importa.

Fico calado, os pensamentos longe.

— Eu tenho algo para você. — Lenina diz.

Meus olhos voltam-se para encontrar os dela, deixando a entrada do refeitório.

— Não estamos no mercado político — digo. — Como vai me vender informações em um refeitório?

Ela dá de ombros e toca no display, esticando o braço esquerdo por cima da mesa. Olho para ela, em dúvida, mas logo seguro seu braço. Após um milésimo de segundo, a transação está feita.

— E quanto ao sigilo na venda de informações?

— Foda-se o sigilo — ela diz, o rosto duro. — Eu falei com Leon.

Levanto uma sobrancelha.

— Com Leon? — Pergunto. — E o que conseguiu tirar dele?

— Descobri o que aconteceu com Kali no dia em que foi à CMT pela segunda vez — Lenina diz, ignorando sua comida, mexendo nos cabelos vermelhos. — A vez em que você a tirou de lá. O motivo pelo qual foi até Fenrir Roth, o artífice.

Ergo a mão.

— Espere. Como conseguiu tirar esse tipo de coisa de Leon? — Pergunto. — Quero dizer, ele não é só um dos únicos quatro aliados dela, mas, também, seu melhor amigo. Ou, pelo menos, é o que parece.

Lenina para de mexer no cabelo, e então sorri.

— Todo mundo tem um preço.

Nós nos olhamos, até que decido desviar o olhar.

— O que ele disse?

A mercadora volta a mexer em seus cabelos.

— Imagino que você saiba quem é Fenrir e o que ele faz.

— Sim. Entendi que ele é um rebelde. Já conversamos a respeito disso.

— É claro — ela concorda, os fios vermelhos em ondas girando entre seus dedos. — E Kali, como você deve saber, também é, de certa maneira, uma rebelde.

Subitamente, lá está ela, como eu sabia que estaria. Segurando uma bandeja nas mãos, com o rosto sério e incapaz de demonstrar qualquer tipo de emoção. Seus longos cabelos negros puxados para o lado direito, a cabeça raspada do outro, o cabelo começando a crescer lentamente. Ela não lança nenhum olhar em outra direção que não à frente, como se todo o restante do mundo fosse invisível.

Inclusive eu.

— Sim... ela é uma rebelde — digo. — A partir do momento em que me roubou, ela já se tornou uma, não?

— E, ao matar Morfeu, ela apenas selou seu caminho e ocasionou a mudança em seu display — diz a difamadora. — O que a levou à atualização. Leon me disse que foi justamente por essa razão que ela foi até Fenrir. Ela queria descobrir se seria possível contornar a mudança em seu display.

— Como?

— Com uma nova atualização. — Responde a garota.

Mantenho os braços sobre a mesa, olhando para a fatalista. Lenina volta a segurar meu queixo e força-me a encará-la.

— Quer dizer que ela não quer matar todas as pessoas que estão em sua galeria de alvos?

— De certa maneira, é isso — responde. — Eu sempre soube que Kali era uma fraca. Que, assim que um desafio realmente grande se pusesse em seu caminho, ela fraquejaria e desistiria — Lenina me olha de baixo, as pupilas quase se misturando visualmente à maquiagem que contorna seus olhos. — Mas Leon me disse mais.

Ela fica calada por apenas um instante, permitindo que minha mente dê voltas intermináveis.

— Ela quer trocar de par.

Fico quieto.

— O quê? — Pergunto.

— Leon me disse que Kali pretende duas coisas com essa atualização — diz Lenina, um estranho sorriso aparecendo em seus lábios vermelhos. — A primeira é se livrar da gigantesca quantidade de alvos com que foi punida na atualização. A segunda é se livrar de você.

Abro a boca, pensando em algo que possa falar. Fecho-a e abro outra vez.

Tenho um vislumbre da fatalista, impassível, seus olhos perscrutando o refeitório em busca de uma mesa vaga.

Sentindo meu rosto queimar ealgo dentro de mim fazê-lo, também, levanto e carrego comigo a bandeja aindacheia de comida. Vou até a lixeira e largo-a lá dentro. Depois, vou embora.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora