Capítulo 45

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Mais tarde. Na rua.

Kali sai do centro de treinamento no mesmo horário em que seus treinos sempre terminam. Sybil sai antes dela, sem olhar para os lados, e desaparece no meio das pessoas da rua.

— Como foi? — Pergunto.

A garota me olha dos pés à cabeça com uma expressão estranha na face.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que... — subitamente me ocorre o quão estranho é admitir em voz alta que eu a espionei por um tempo considerável e sei a respeito das inúmeras vezes em que a tutora dela a puniu. — Bem, ela é uma torturadora, certo?

— Sim.

— Ela puniu você?

Kali me olha por algum tempo.

— Não importa. Vamos.

Puxo a gola de meu casaco e tento me proteger do vento.

— Aonde vamos?

— Ao servidor.

— E o que vamos fazer lá?

A garota parece andar um passo à frente de mim, ainda que a meu lado. É difícil acompanhá-la.

— Acho que talvez a nossa solução não seja esperar que surja uma solução, mas agir baseados no que já sabemos — parece que nunca a vi andando. Sua postura é muito ereta, e ela não parece sentir o mesmo frio que eu, ainda que tenha vestido um casaco grosso ao sair do centro de treinamento. — E eu acho que talvez o grupo de subsistores ao qual Sybil se referiu pode ter seguido o caminho certo.

— Ou seja, acabar voltando ao mesmo lugar do qual vieram? — Pergunto com uma ponta involuntária de ironia na voz.

— Não — ela responde, um pouco ríspida. — Acho que estavam certos em tentar tratar do problema em sua raiz, não no meio ou no fim. E nós dois sabemos que nosso problema começou com a atualização, no galpão de atualização, com um programador. Talvez o caminho certo seja encontrarmos um programador e fazê-lo atualizar nossos displays à força.

Olho para ela.

— À força.

— Você acha mesmo que um programador faria isso se simplesmente pedirmos a ele? — Ela não responde ao meu olhar.

Resmungo qualquer coisa.

— E como vamos levá-lo até um dos galpões? — Questiono.

— Nenhum programador iria até um dos galpões por vontade própria — Kali diz. — Vamos sequestrar um.

Fico calado depois do que ela diz, sentindo um frio na barriga. Depois disso, o vento começa a parecer mais forte e, o frio, mais gelado. Meto as mãos nos bolsos. A garota tira, de um bolso interno do próprio casaco, os fones de ouvido que sempre a vejo usando. Toca no display e coloca os fones.

Então, fico sozinho.

Fazemos todo o caminho até o servidor lado a lado, mas distantes. Nos isolamos. Ela distraída com seus fones e seu display; eu, mudo e mergulhado em pensamentos.

A caminhada nos toma um tempo considerável. Quando chegamos à pesada porta de metal e passamos nossos braços no console, todas as luzes da cidade já estão acesas em preparação para a noite. A porta se destrava com um sonoro estalo, e entramos. A escuridão no interior é profunda.

Kali se afasta de mim e não a vejo no escuro. Aguardo e, então, há uma explosão de luz no interior. Luz branca e dura, iluminando todos os cantos. Fileiras e fileiras de lâmpadas espalhadas longitudinalmente por todo o ambiente.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora