[29] Audácia.

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Kwon Sook's P.O.V.

O teto da biblioteca do casarão é alto e iluminado por um lustre metálico em formato de gaiola esférica. Arabescos contornam suas grades por onde a luz vaza e cria desenhos ao redor das estantes de madeira, tão antigas quanto a casa. O lugar é climatizado e há poucas janelas, para evitar danos ao acervo. Aqui há livros novos e antigos, clássicos e modernos. Autores como Proust, Victor Hugo, Dostoiévski e Edgar Allan Poe estão ao alcance da mão. E também minhas preferidas, Jane Austen, Emily Brontë e Shin Kyung-Sook.

No meio da biblioteca, entre os labirintos de estantes, há uma clareira onde jaz um birô de madeira escura, com aparência sólida e verniz impecável. Coloco um livro grande na superfície, próximo a uma luminária de mesa, com arco de metal e um filete de luzes próprias para leitura. Sento-me em uma das tantas poltronas que se distribuem ao redor do birô. Encolho as pernas, abraço os joelhos e miro além da penumbra. Recosto-me no passado e lembranças ressurgem.

Esse já foi o meu lugar preferido em casa.

Eu me escondia aqui para escapar de fazer os deveres de casa. Foi assim que adquiri o gosto pela leitura. Certo dia, Jisoo descobriu minha paixão secreta por Mr. Darcy* e, em tardes monótonas, vínhamos à biblioteca para ler. Eu adorava. Jisoo lia em voz alta e interpretava os personagens, o que simplificava alguns enredos adultos demais para minha cabeça de criança. Ríamos, chorávamos, xingávamos autores e temíamos fins. Com ela, conheci livros como Guerra e Paz, Crime e Castigo, mas nunca os terminei de ler.

A vida de Jisoo foi interrompida antes disso. Alguém cruel rasgou páginas e páginas de seu futuro.

Deu um fim prematuro a sua história.

Depois, não voltei à biblioteca. Não me sentia à vontade quando via a poltrona vazia ao meu lado. Os livros não eram mais recitados, não havia risadas, conversas. O único som era meu fungar arrastado e infinito. Passei muito tempo afastada da leitura e só voltei quando conheci as Fanfics. Aos poucos aquelas histórias simples me confortaram e me acolheram em um novo universo. E agora estou aqui.

Cravo o olhar no calhamaço com capa de couro costurado e miolo em papel grosso. Estou ansiosa. Quero confirmar minha suspeita óbvia sobre o parentesco de Juran-ah com Jackson e, por tabela, comigo. Contudo, Jungkook demora a atender meu chamado. Será que ele vem? Começo a achar que não e sinto uma pontada de tristeza. Será que minha mensagem o afugentou? Será que Jungkook pensa que eu o sufocaria? Fito o lustre sobre minha cabeça e minha visão se embaça, em uma tristeza profunda.

Não seria a primeira vez que isso acontece comigo. De qualquer forma, eu e Jungkook nunca daríamos certo.

Há empecilhos demais. É, não é para ser.

Eu não sou a pessoa certa.

***

Jeon Jungkook's P.O.V.

Recomeço os movimentos de flexão com as costas retas e os braços esticados. Mentalizo a contagem e respiro. Termino a série. Descanso a postura e me sento sobre as pernas. Esfrego as mãos no rosto empapado em suor, espalmo as bochechas com agressividade. Gotas de suor escorrem pela linha central das minhas costas nuas, banhadas pela transpiração.

O beijo de Jackson na bochecha da Monstrinha me atormenta e eu sei que estou errado por pensar assim.

Deito-me e faço abdominais. Tento me concentrar no cansaço muscular para não me deixar levar por esse ciúme idiota. Reclino as costas, respiro. Vinco os músculos retos e oblíquos do abdome, desenhando-os sob a pele molhada. Repito o exercício até a exaustão. O suor escorre entre as têmporas, pelas laterais do rosto e maxilar, até o queixo. Pinga sobre a bermuda de moletom e escurece pontos específicos do tecido cinza. Praguejo em voz baixa e me levanto. Eu tenho que parar com essa merda de ciúme. É errado.

Girl Meets EvilOnde histórias criam vida. Descubra agora