[97] Porta.

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Min Yoongi's P.O.V.

É cedo demais para ver Park Jimin sofrer.

Fecho os pulsos no limite da maca em que ele repousa e cerro o maxilar. Seus lábios trêmulos sussurram palavras desconexas. Sua pele está cheia de escoriações, banhada em suor frio. Os hematomas em seu rosto contam uma história violenta que ele não precisa dizer. E meu interior se intoxica com a sensação de catástrofe, porque ele não é a única vítima do mal que nos cerca. O inimigo está escondido na névoa e brinca com nossa cegueira. Ele bafora em nossas nucas, sem nunca se revelar.

Não sabemos quem ele é, apesar das suspeitas, e nem onde está.

As vítimas são a única prova de sua existência.

Tento me esquivar desses pensamentos e ergo o olhar. A bolsa de soro glicosado está pendurada por um gancho e as gotas caem na dosagem e ritmo que a enfermeira deixou. Elas seguem o fluxo pelo cano de plástico até a agulha enfiada na veia saltada nas costas da mão de Park Jimin. Volto ao seu rosto. As pálpebras cerradas tremem e os cílios estão úmidos. Os olhos se mexem abaixo da pele. Em cada detalhe, enxergo os traços do trauma. Até tento consolá-lo, mas, quando aproximo os dedos de sua testa, ele se assusta.

Jimin demora a entender que só retiro mechas de cabelo suado de sua testa e o acaricio, que não quero machucá-lo, que não sou um caçador, um de seus torturadores. Isso alimenta meu ódio, porque Jimin é só um garoto. Ele não merecia isso. Analiso sua mão repousada no estômago, a veia azulada e dilatada abaixo da pele pálida e machucada. Fecho os olhos por um instante e ouço apenas o burburinho das enfermeiras, dos outros pacientes do leito compartilhado da emergência, de Lisa ao telefone.

Ainda acaricio os cabelos de Jimin, cada vez mais lento, mais lento.

Abro os olhos e ergo a cabeça em uma compreensão.

Fito a porta de saída do pronto-socorro.

O medo se revira em meu interior, mas, se há espaço para admitir esse medo, também há para criar coragem e enfrentar os monstros que se levantam. Foi Kwon Sook que me deu essa lição no momento em que afrontou dois caçadores sem hesitar, embora sentisse medo. Ela os enfrentou e os venceu. E é inspirado em sua coragem que Abandono o carinho que faço nos cabelos de Jimin e fito Lisa.

Aponto para a porta da sala e ela me olha intrigada, mas aquiesce. O telefone ainda está em seu ouvido, contudo não espero ela encerrar a chamada para dizer aonde vou. Eu só preciso ir. E vou. Dou uma olhada em Yugyeom e Jimin, para não esquecer qual é meu propósito, e solto um suspiro. Meu rosto endurece, obstinado e com um objetivo. Deixo a sala.

Ultrapasso as portas da emergência e fito os dois lados do corredor povoado por funcionários e acompanhantes de pacientes. Noto que há dois caminhos a seguir. Há duas estradas a percorrer em busca do meu destino. De um lado está a saída do pronto-socorro, por onde posso seguir e ir até os caçadores para enfrentá-los como sempre desejei, desde a morte de Jisoo. Do outro lado há a recepção, por onde posso ir até o andar em que estão os pais de Jungkook. Lá encontrarei respostas.

Lembro-me do desejo que alimentei durante toda a adolescência, a sede de vingança pela morte de Jisoo. Em meus sonhos, eu iria até aqueles desgraçados e os feriria como eles me feriram, os mataria como eles me mataram. Vingaria Jisoo e morreria depois. Sempre achei que minha missão suicida soava épica e corajosa, mas, ao encarar a noite que escurece o mundo além das portas do pronto-socorro, percebo que morrer não é um desejo racional. É só o delírio depressivo de quem sofre mais do que acha que pode suportar.

Quando sonhei com morrer, estava mergulhado em uma piscina de medo com cor de piche, e agora entendo que escolher morrer é um pesadelo que nasce da dor, não um sonho. Não é a esperança de destruir uma dor que não cessa, que não tem fim, é a armadilha criada por caçadores que querem magoar, aterrorizar, matar. Desde que conheci a morte, ela só me maltratou, por que me curaria? Não. Meu desejo de vingança era só uma fantasia mórbida e onírica, uma metáfora de miséria travestida na promessa de um alívio que nunca chegaria.

Girl Meets EvilOnde histórias criam vida. Descubra agora