🍃 Capítulo 1 🍃

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- Como se sente hoje, Kutner? - Chega a ser engraçado ter que responder a essa pergunta

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- Como se sente hoje, Kutner? - Chega a ser engraçado ter que responder a essa pergunta. Me sento mais na ponta da cadeira e encaro a senhora que está a minha frente. De todos os que tentaram me ajudar, ela é a única que me ouve sem julgamentos.

Com os outros quatro terapeutas, mesmo que dissessem que já estavam acostumados a tratarem pacientes como eu, percebia os olhares furtivos e desconfiados. Eles não sabiam disfarçar o medo por ouvir as coisas que se passavam em minha cabeça.

Não sei o que acham de mim, mas... Com certeza não sou nenhum santo naquela caderneta inútil.

- Hoje estou controlado. Ainda não fui para casa.... Enquanto trabalhava e analisava a causa da morte da mulher, e descobri o que houve, me senti com a vontade de acabar com a vida do agressor. Passou toda a cena na minha cabeça, detalhe por detalhe do que eu seria capaz de fazer com o homem que não soube guardar o que tinha no meio das pernas e por achar pouco, ainda a matou. Terminei a necropsia, fechei o corpo, anotei a causa da morte. Tomei um banho antes de sair de lá e agora estou aqui. Por que eu não estou muito afim de chegar em casa e ter que mentir mais uma vez para a Estela. - Relato tudo sem piscar, sem demonstrar qualquer sentimento. Minha terapeuta me olha avaliativa e pega a caneta.

- Kutner, você está há oito anos com a Estela. Oito anos e durante todo esse tempo, não conseguiu dizer a ela o que houve com você. Acho-a uma mulher muito paciente, porque o que você já fez... É de se enlouquecer até as mais loucas. - Isso me faz dar uma leve contorcida nos lábios. Saio da posição que estava e encosto as costas na poltrona.

- Eu não quero manchá-la com meus demônios. Prefiro eles guardados onde estão. - Falo dando de ombros e suspiro por estar cansado da monotonia que é fazer terapia. Mas, por mais que eu reclame, isso tem me ajudado a controlar meus acessos de raiva.

- É disso que eu tenho medo. Como sua terapeuta, eu tenho alguns pontos a julgar. - Ela tira os óculos, os colocando em cima do caderno pequeno e se apoia na mesa olhando seriamente para mim. - Vamos ao seu emprego. Você acha que ele está te fazendo bem? - Balanço a cabeça positivamente. Prefiro trabalhar com mortos, a ter que lidar com vivos. - Então, porque sempre que você faz o que precisa ser feito e descobre as causas da morte, você se descontrola?

- Eu que deveria fazer essa pergunta a você. Escolhi ser legista porque é muito mais fácil lidar. Eu não gosto do contato com as pessoas, não gosto de estar perto de pessoas felizes demais, mas que no fundo são tão fodidas quanto qualquer outro. Eu gosto do verdadeiro e achar quem seja nos dias de hoje, é uma tarefa praticamente impossível. A Estela sabe que nunca é bom me levar para essas festas sociais, porque eu não suporto perguntas de gente intrometida. Quando isso acontece, o único desejo que me vem é de querer silencia-las. - Travo o maxilar ao sentir as lembranças do meu passado querendo me atormentar.

Espero que a minha terapeuta diga algo, mas ela só faz o seu papel... Que é escutar.

No começo das sessões eu não falava nada. Na verdade, chegar a ter a primeira sessão foi um trabalho pesado. Eu fugia da obrigação de ter que ser julgado e olhado daquela forma. No começo quiseram me diagnosticar com bipolaridade, mas eu não possuo nada disso. Meu caso tem mais haver com desvio de personalidade decorrente da minha construção social. Por mais que eu não quisesse ser agressivo, violento e explosivo, acabei absorvendo isso em meu ser no momento que apanhei pela primeira vez.

A VINGANÇA DO CAPO - PARTE 1Onde histórias criam vida. Descubra agora