Capítulo XXVII

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Os diretores colocaram Damen para gravar logo quando chegamos, o que mentalmente agradeci, já que eu não queria ter que lidar com ele agora.

Minha cadeira ficava de frente para uma tevê que passava as tomadas de acordo com o que eles gravavam. Algum tempo depois, decidi que ficar assistindo só me daria nos nervos. Então comecei a conversar com algumas pessoas aqui e outras ali. Por fim, um deles me convidou para um evento que teria hoje a noite para os agentes que estivessem na cidade, eu expliquei que era apenas uma estagiária da NSTA. Mesmo assim eles insistiram que eu fosse.

Conversando com um dos homens da produção, acabei descobrindo que ainda levaria mais de duas ou três horas para que finalizassem hoje. Sem querer perder mais tempo, decido agir de uma vez. Pois finalmente chegou a hora de executar o verdadeiro plano que me fez aceitar essa viagem descabida.

Peguei meus cupcakes e chamei um táxi. Está na hora de descobrir a verdade sobre os meus pais.

*

O percurso foi longo, durando quase meia hora até chegar. Mas aos poucos os quarteirões foram se tornando familiares. As árvores, os prédios, eu me lembrava da tudo.

Quando o táxi parou na frente da BBAC, ainda de dentro do carro, senti uma pontada de nostalgia. A academia de dança estava exatamente como eu me recordava, era como se aqui o tempo não tivesse passado. Ou quem sabe seja apenas tolice minha.

Por um segundo, encarei a entrada, com o coração acelerado e o cérebro me pregando peças. Aquela era a mesma porta que a mamãe aparecia quando vínhamos buscá-la, e desejei com todo o meu coração que ela saísse de lá mais uma vez.

Céus, isto era o que mais queria.

     Tudo o que eu desejava era ter mais um dia para buscá-la após o trabalho, queria ser envolvida pelos seus braços, encostar minha face em seu peito, ouvir os seus batimentos se alinhando aos meus. Contemplar o seu sorriso. Eu me recusava a pensar que aquele sorriso que transbordava alegria foi perdido, porque isso não era justo. Não me parecia certo uma pessoa tão boa no fim sofrer como ela sofreu, e partir como ela partiu. Ela devia ter vivido mais, merecia mais.

     Quando uma pessoa que você ama parte, tenha ela ficado dois, cinco ou quarenta anos ao seu lado, não importa. Nunca parecerá suficiente, porque na verdade não é. Eu penso que se o amor é eterno, ela também deveria ser.

      Desci do carro.

     O táxi já estava virando a esquina enquanto eu ainda estava observando as coisas à minha volta. Sei que era apenas uma distração involuntária, porque assim não teria que encarar o grito violento que partia de dentro de mim, e não precisaria admitir a verdade. Que de todas as vezes que estive aqui, esta seria a primeira delas que eu não encontraria mamãe.

     Observei as pessoas que trafegavam aqui, indo e vindo constantemente. Cada uma delas tendo que lidar com suas vidas, suas próprias feridas. Eu me pergunto se alguma delas tinha uma ferida maior que a minha? Perder alguém que amamos sempre me pareceu fácil quando comparado a sobreviver após essa perda, sangrar dia após dia, ano após ano, carregar um ferimento aberto que jamais cicatrizaria.

    Sentir saudade daquilo que jamais retornará.

    Ergo os olhos quando ouço a porta abrir, fico agitada na esperança de um mero vislumbre da mamãe descendo aquelas escadas e me envolvendo num abraço bem apertado.

     Bem no fundo, sei que estou enganada. Tudo não passa de um devaneio, uma ilusão, porque uma parte minha não quer acreditar, ou melhor, se recusa a acreditar que possa existir um mundo sem ela nele. E mesmo assim, mamãe está morta, isso era um fato irrefutável. Eu a enterrei, joguei um punhado de terra sobre o seu túmulo, assisti selarem para sempre o seu corpo naquela caixa.

Lua NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora