Capítulo XXXIII

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     Estava jantando quando o papai recebeu uma ligação, inicialmente pensei que fosse sobre os seus negócios, porque ele ficou tenso e caminhou até os fundos de casa.

     Papai era desesperado por privacidade, independente do assunto, odiava falar no telefone com gente por perto.

     Através da janela avistava seus passos impacientes de um lado ao outro. Eu estava sentada na mesa de jantar, mas toda a minha atenção estava ali, do lado de fora de casa.

     Várias perguntas invadiram a minha mente enquanto terminava de comer a sopa. Teria a BBAC descoberto que invadi seus arquivos? Será que eu poderia ser presa? Papai descobriu que sei do segredo dele? O que eu diria se ele me pressionasse?

      - Você deveria parar de ser tão enxerida. – Disse Tyler, mastigando com a boca aberta.

     - Você deveria parar de ser tão nojento.

     - Ok – Tyler levantou. Tomou o seu copo de suco num único gole, mas foi o que disse em seguida que me chamou a atenção. – Eu vou sair, diga ao papai que fui ao cinema.

     - Cinema? – Meus olhos vasculham o seu a procura de algum sinal, tipo febre, delírio ou talvez o apocalipse. Não, nem isso faria ele ir ao cinema. – Você nunca vai ao cinema. – Eu me ouço dizer mais para mim do que para ele. – Nunca.

     - Eu vou... – Ele pigarreou, passando a mão no cabelo da nuca – Com uma garota.

     - Você vai ao cinema com uma garota? – Tento esconder o meu choque, segurar o meu riso. Quase consigo. – Quem é a garota que conseguiu te convencer a ir a um cinema?

     Ok, ele havia conseguido a minha atenção. Não é que o meu irmão tenha uma aparência ruim, muito pelo contrário.

     As garotas ficam apaixonada por ele assim que batem os olhos nele, mas esse é ponto, as garotas ficam, ele não, ele nunca. Sempre estava ocupado sendo idiota demais para se importar com alguma delas, ou com alguém além do seu próprio umbigo.

     - Não te interessa. – Ele atravessou da cozinha até à porta da frente. – Fale para o papai que peguei o carro emprestado porque deixei o meu na oficina do Jorge para reparos.

     - Ele não vai querer que você... – Comecei a dizer, mas Tyler saiu antes que eu tivesse a chance de terminar.

Continuei sentada a mesa terminando o meu jantar. O que mais poderia fazer?

     Eu não controlava Tyler e por mais que seja tentador descobrir quem está fazendo o meu irmão fazer coisas que ele sempre julgou estúpidas demais, ainda assim, eu estava mais interessada no que o papai estava tramando.

     Tyler nunca mais mencionou nada sobre aquela noite em questão. Logo quando cheguei de viagem, fui contar a ele o que Damen me contou, que o homem não havia morrido, o tal de Javier conseguira sobreviver a cirurgia.

     No entanto, antes mesmo que dissesse algo, meu irmão disse que isso não importava mais, que eu não precisaria mais me preocupar. Nunca soube exatamente o que isso significava, mas sei que agora ele não recebia mais ligações misteriosas, e também não saia em horários suspeitos.

     Quanto ao meu pai, cada vez que olhava em seus olhos via sombras que nunca tinha visto antes. Sem mais nem menos, soube que meu pai escondia muito mais do que eu pensava.

     E de repente todas as suas desculpas me pareciam esfarrapadas, tudo o que sabia sobre meus pais não parecia mais verdade. Então não pude simplesmente chegar e confessar que eu sabia que mamãe havia sido dona da BBAC. Temia que ele pudesse ficar mais cauteloso, dificultando ao máximo o meu trabalho de descobrir todos os seus mais profundos segredos.

     O primeiro passo então foi voltar a ler o diário da mamãe com uma maior atenção, talvez agora que eu soubesse da BBAC tenha algo que não notei antes, algo que me desse as respostas que tanto buscava.

     Depois de quase vinte minutos no telefone, papai voltou a sentar comigo. Eu queria perguntar quem e sobre o que era, mas sei que ele só me falaria se quisesse falar, independente do meu interesse ou não.

     Desviei o olhar para o copo de suco, tomei um gole.

     - Recebi uma ligação do seu trabalho. – Ele ajeita os óculos no nariz e mostra os dentes no que parece ser um sorriso, só que não tão espontâneo assim. – Eles querem te efetivar.

     Minha boca cai ao queixo. Nem se quer tento esconder o meu choque. Tenho de me segurar na cadeira para não cair dura bem ali, aos pés da mesa de jantar.

       Papai se levanta e vai até o balcão pegar um pouco mais de vinho. Agora que eu já tinha dezoito anos, um pouco de vinho também me cairia bem nesta situação.

     - De verdade?

     - Sim. Não sei por qual motivo o seu chefe solicitou que você comece amanhã, disseram que é importante que você comece nesta semana. – Papai tomou a taça em mãos, e em seguida experimentou o gosto de seu vinho. – Acho que vai ser bom.

     Ele faz um barulho estranho, como se estivesse limpando a garganta.

     - Sei que te pressionei bastante nestes últimos anos, mas experimentar um trabalho independente vai ser bom. Desde que você ainda queira trabalhar lá na... – As sobrancelhas de papai se erguem, ele hesitou e olhou incomodado para mim. Aquela hesitação não era nada comum, não vindo dele.

     - Biblioteca. – Complementei.

     Papai engoliu em seco e assentiu.

     - Isso. Biblioteca.

     - Claro que eu quero, com toda a certeza. – Respondi, atravessando a cozinha e lhe dando um abraço. – Obrigada, papai! Esta certamente é a melhor notícia que você poderia me dar.

     - Eu só quero o melhor para a minha garotinha. Apenas o melhor.

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