Acordei com o despertador gritando. Imediatamente alcancei o meu celular para ver a mensagem que Damen havia me mandado.Um simples ok.
O que achei que seria o mais difícil eu já havia conseguido logo no café da manhã. Depois de influenciar a sua decisão com muito bacon e waffles, papai decidiu por livre e espontânea vontade deixar eu ir.
É claro que para ele vou participar de uma excursão anual da biblioteca que trabalho, e não na verdade investigar o que tem de tão enigmático sobre a BBCA (o local em que a mamãe dedicou anos da sua vida atendendo as crianças mais carentes e desajustadas da cidade) e que agora parecia ser uma conspiração da qual papai queria distância.
Ollie encostou-se no armário ao lado.
- Megan, sinceramente, eu acho que você está exagerando um pouquinho.
- Não estou. – Balancei a cabeça enquanto procurava uns brincos que ganhei da Willa no início do ano. Eu tinha certeza que eles estavam em algum lugar aqui dentro. – Você não viu o meu pai. Ele estava agindo estranho.
- Os pais são estranhos, no geral.
Fechei a porta do armário e olhei para ela.
- De qualquer forma se estiver errada e não houver nada de suspeito lá, pelo menos assim posso dormir em paz.
Atravesso até a outra sala, continuando a minha busca pelo brinco perdido, só que agora pelo sofá e pelas almofadas. Em algum lugar eu iria encontrá-los.
- E por que você não pergunta para o seu irmão o que ele sabe sobre isso? – Ollie me acompanha, ignorando o fato que estava ocupada demais para ouvi-la dizer bobagens a essa hora da manhã. – Ele é mais velho, deve lembrar de mais coisas do que você e pode saber algo.
- Ele não sabe. – Respondi, frustrada. Tyler, enquanto papai e eu tomávamos café da manhã, nos comunicou que estaria fora por alguns dias. Estava na cara que a verdade é que meu irmão estava com medo de eu contar para papai a merda que ele fez, e por isso estava fugindo como sempre. – Na primeira oportunidade que teve deu no pé, então eu duvido muito que ele saiba de algo quando nem se quer liga para a família que ainda tem.
- Não está mais aqui quem falou.
* * *
O resplendor da lua espreitava através das janelas do avião, as estrelas pareciam se envolver em uma disputa de quem mais abrilhantava o céu naquela noite.
Enquanto sobrevoávamos a capital percebi que nem de longe havia visto algo tão grande e belo. As luzes, os prédios, o mar, era tanto para se olhar. A lua alcançava as árvores e os prédios, mas ninguém brilhava mais que o mar, com suas ondas e espumas.
- Você tem que ver durante o dia. – Comentou Damen, fazendo com que me recordasse da sua presença ali quase despercebida no canto, no escuro. Ele passou todo o voo calado, não sabia muito bem se esteve dormindo ou acordado. – É uma cidade sublime.
E de fato deveria ser, pela janela do jatinho tudo parecia ampliado ou talvez tudo isso era apenas culpa dos meus olhos, acostumados com as coisas ordinárias da vida.
Antes de a minha mãe morrer, fazíamos frequentes viagens. Recordo-me vagamente de poltronas de aviões, da mala de moranguinho com as minhas roupas, de algumas praias e outros parques de diversões.
Recordava de dois episódios ou três. Da mamãe usando um chapéu de praia no dia em que me queimei em uma água viva porque achei-a bonitinha e resolvi tocar, do seu sorriso atencioso enquanto passava protetor em mim, da sensação que experimentei na primeira vez em que senti a areia entre os meus pés e da última vez que fizemos algo assim, felizes e em família.
Da última vez eu me lembrava...
Era uma lembrança tão nítida que às vezes parecia que não fazia tanto tempo assim. E outras vezes era tão distante que parecia ter acontecido quase que numa outra vida, com uma outra Megan.
Porque eu não era mais aquela doce garota. Ela tinha sonhos, achava que conquistaria o mundo inteiro só com sorriso e abraços. Pelo menos, era o que a sua mãe lhe dizia antes de dormir, e ela escolhia acreditar com todo o coração.
Talvez os sonhos não fossem tão difícil de serem realizados por ela, pela antiga Megan, mas para quem eu me tornei, eles eram tão impossíveis quanto alcançar o céu.
Aquela também não era mais a minha família, não mais, nunca mais foi.
Agora tinha papai, e Tyler, mas às vezes sentia que nem mais uma família sabíamos ser. Como três peças podem se encaixar sem a liga que as manteve unidas desde o início?
Então me pergunto, será que no momento em que perdemos alguém, quando a pequena porção úmida de terra desliza entre os nossos dedos e atinge a superfície dura daquela caixa que guardará para sempre o corpo daquele que um dia amamos até que não sobre mais nada para se guardar, ou será que é no momento em que o caixão é selado e lágrimas silenciosas começam a saltar dos nossos olhos, será que é aqui que despimo-nos do véu que sustentava a ilusão de que poderíamos realmente ter uma existência significativa? Que poderíamos amar imensamente porque seríamos amados na mesma intensidade? Que poderíamos ser felizes, eternamente felizes.
Porque era o que havia acontecido comigo. Talvez, toda vez que dizemos adeus a alguém que amamos, uma parte nossa sempre é levada junto. Quer nós queira, quer nós não.
* * *
Ao sair do aeroporto inúmeras partículas de água escorreram pelo vidro do carro. O insulfilm era tão escuro que demorei alguns segundos para notar a chuva silenciosa lá fora.
A lua e as estrelas que antes faziam um espetáculo lá em cima, agora desapareceram quase que por completo em meio às nuvens carregadas e a densa névoa que se formava na cidade.
- Espero que o tempo não impeçam vocês de aproveitar a estadia – Disse o motorista, nos encarando pelo retrovisor. – O tempo nesta semana não estará muito bom de acordo com o rádio de hoje cedo.
O sinal fechou.
Damen continuou calado, observando a escuridão afora, perdido nos seus próprios pensamentos como esteve o dia inteiro.
- Chove muito aqui? – Perguntei, tentando parecer gentil.
- Moça – Disse ele, entre risos. – Aqui chuva é o que não falta, especialmente nesta época do ano.
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Lua Negra
Storie d'amoreMegan Hayes é uma colegial como qualquer outra, ao menos era o que pensava. Para concluir o último ano e se ver livre da escola é preciso participar de um estágio obrigatório. Por azar ela acaba sendo enviada a NSTA - uma agencia de talentos. O pro...