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Já disse que o pai do Bernardo e ele não têm uma boa relação pois ele vive longe, mas eu nunca me interessei em saber detalhes sobre porque o Hugo vive sempre viajando e quando está em casa nunca fica com a esposa e o filho sem programar uma grande festa. Contudo, meus pais trabalham para a família da Flávia desde antes de eu pensar em nascer e eles já ouviram e viram muita coisa que nenhum empregado deveria ver. A verdade é que ele tem uma outra família, não apenas uma amante, mas sim uma outra relação estável e com um filho! A Flávia sabe disso e eu não tenho ideia do porquê ela não deu um fim nesse relacionamento de merda de uma vez por todas. Ela é uma das melhores pessoas que eu já conheci, completamente diferente do mala que é o filho dela e marido, e vê-la presa nesse relacionamento tóxico é bem triste. Se por um lado eu, e meus pais, tenho vontade de falar para ela largá-lo de uma vez por todas, por outro somos apenas funcionários lá que não deveria saber de tanta coisa.

-Eu... -Ela me olhou esperando uma resposta, mas eu não sabia como me portar nessa situação tão delicada. -Eu imaginei...

Ela riu sem humor.

-Ninguém entende porque eu ainda estou com ele. -Ela olhou para frente, onde tinha um senhorzinho dormindo sentado em uma cadeira. -A verdade é que o Bernardo não aguentaria essa separação. Ele tem tanta raiva do pai que se nós dois assinássemos um divórcio, o Bernardo iria fazer de tudo para que o Hugo ficasse com a sua guarda para ele fazer a vida do pai um inferno e eu morro de medo disso, de perder o meu filho...

Ual! Se eu já admirava a Flávia como mulher, agora também a admiro como mãe, que mesmo tendo o Bernardo como filho, é capaz de mover o mundo por ele. Ela deixou de viver para que o objetivo de vida do filho não fosse aporrinhar a vida do pai. Será que é por isso que ele gosta tanto de maltratar os outros? Por que não consegue fazer isso com quem ele realmente sente vontade? Que seja... Nada lhe dá o direito de ser ruim com alguém, ele torna a vida de metade da escola um inferno.

-Eu sei que ele prefere a outra família e que o Bê pode ser meio indelicado às vezes, mas ainda assim é o filho dele.

-Flávia, o que importa é que ele tem você. Você é a melhor mãe que ele poderia ter.

-Mas não é o suficiente, não é mesmo? -Ele me olhou e deu um sorriso torto envergonhada. Será que ela tem dimensão das coisas que o filho dela faz aos outros na escola? Do que ele faz comigo?

Engoli em seco, sem ter o que dizer.

-Obrigada por ter vindo. -Ela me tirou da saia justa que ela mesma me colocou e eu respirei aliviada. Sei que o Bernardo está enfrentando uma barra danada, mas seria o cúmulo ter que mentir por ele, negando tudo de ruim que me fez.

-Pode contar comigo sempre. -Sorri e ela me abraçou.

-Eu te vi crescer, Anne. Eu queria muito que você e o Bernardo fossem amigos de novo, como quando tinham cinco anos... -Ela me fez pensar em tempos que jamais serão os mesmos, tempos que eu faço questão de esquecer. -Ele seria uma pessoa muito melhor se tivesse sua amizade.

-É mais fácil Plutão voltar a ser planeta do que o seu filho e eu nos entendermos. -Não queria falar sobre isso, eu só quero que o Bernardo se recupere logo.

-É, eu sei... -Ela falou triste. -Seu irmão está bem? Por que sua mãe não veio?

-Ele teve uma crise quando ela estava saindo de casa e ligou para a mãe da Liara falando para eu vir.

-Sei que sua mãe trabalha para mim, mas ela é minha melhor amiga... Foi a primeira pessoa que eu pensei para me apoiar nesse momento. -Ela sorriu.

-Minha mãe também te considera uma amiga, Flávia.

Continuamos uma conversa distraída por um bom tempo. Eu tinha medo de parar de falar e a Flávia cair no choro, então não deixei um silêncio se instaurar por mais de um minuto.

Nem havia conseguido cumprimentar o Caíque.


Horas se passaram, o dia amanheceu e nada de informação. Quando deu umas 5:30, um médico veio conversar com o pai do Giovanni e ele junto com a mãe do Caíque o acompanharam. Eles pareciam aliviados. Depois disso, mais uns dois médicos vieram na emergência, mas nenhum para dar notícias do Bernardo e eu já não tinha mais assunto para falar com Flávia e ela já estava de saco cheio da minha voz. Finalmente, umas 10:00, uma médica apareceu.

-Senhora Soares? -A Flávia levantou da cadeira em um pulo. -A cirurgia foi um sucesso, ele já fez os outros exames necessários e já está no quarto.

-Ele vai ficar bem? Aconteceu algo grave com ele?

-Estamos confiantes que sua recuperação será boa. A cirurgia na perna foi complicada, mas deu tudo certo. Os exames mostraram uma lesão em uma área do cérebro, já fizemos o possível para tratá-lo, agora precisamos que ele acorde para ver se ficou algum dano cognitivo.

-O que você quer dizer com dano cognitivo? -Ela perguntou preocupada.

-Há uma chance do seu filho perder a memória.

De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora