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-Podemos marcar de estudar juntos qualquer fim de semana desses? -O Caíque questionou. -Eu não consigo entender física.

-Eu tenho problema com português. -A Liara falou.

-Preciso de ajuda em história. 

Isso é vida real, não conseguimos ser bons em tudo e precisamos aceitar ajuda daqueles que estão dispostos a nos ajudar. Não gosto muito de estudar em grupo, mas sei que com eles pode dar certo, todos estamos focados em passar no vestibular, meus amigos só não têm ideia se vão querer estudar aqui no Brasil ou fora dele. Eu, por outro lado, não tenho escolha. 

-Pode ser esse sábado? -O Caíque perguntou. 

Olhei para a Liara e concordamos juntas. 

-Pode ser lá em casa. -Ela disse nós dois concordamos. 

O sinal tocou e os alunos começaram a entrar. O bondinho do Bernardo ainda estava bem defasado. As pessoas que estavam no acidente, tiraram a semana para ficar em casa, o que deixou os outros mais calmos. Contudo, todo mundo sabe que essa calma logo logo vai passar e as pessoas vão voltar a serem vítimas da falta de noção deles. 


O resto da minha tarde foi dedicada a ficar duas horas na terapia com o Caíque e estudar até umas onze da noite. Assim que tinha acabado tudo que tinha planejado para a tarde de estudos, estava cansada demais e só queria dormir, mas antes fui a cozinha pegar um copo d'água. 

Assim que passei pela porta de entrada da minha casa, ouvi batidas e pulei de susto. Não era comum baterem aqui, ainda mais essa hora da noite, mas dada as circunstâncias, pensei ter acontecido algo com o Bernardo. Olhei pelo olho mágico antes de abrir, só para ter certeza que era a Flávia. 

Abri a porta e dei de cara com a Flávia com o rosto inchado de chorar e com os olhos vermelhos. Diferentemente do Bernardo, que parece estar encarando essa situação toda com muito bom humor e leveza, a Flávia carrega nas costas a responsabilidade de cuidar integralmente da saúde de seu filho e não parece estar sendo nada fácil para ela. 

-Eu te pago mil reais para ir ver o Bernardo nos dias de semana. -Arregalei os olhos com a proposta e não soube o que responder. 

Meu coração ficou um pouco apertado e tive um breve momento de falta de ar. O desespero da Flávia me deixou triste. Ela que é sempre uma mulher muito forte e com solução para tudo, encontrava-se desmoronando e sem muitas opções para solucionar a situação. Ela estava tentando de tudo e prova disso era ela me oferecer dinheiro para ver o Bernardo, o que obviamente eu não vou aceitar.

-Flávia, não é o dinhe...

-Dois mil. -Ela me interrompeu, olhando fixamente nos meus olhos sem piscar.

-Flávia, entra para tomar uma água.

-Três mil... -Ela iria parar.

-Tudo bem, eu vou! -Não tinha muito o que responder, tinha? Ela iria continuar oferecendo dinheiro até eu aceitar, sei disso. Eu posso até ir vê-lo em consideração a Flávia, mas jamais vou aceitar que me pague por isso. -Agora para de me oferecer dinheiro e vem tomar uma água. -Ela deixou que eu a conduzisse até a cozinha e sentou na cadeira. Ela apoiou os cotovelos na mesa, enfiou o rosto nas mãos e desabou a chorar, mais ainda. 

Peguei água e coloquei na sua frente. Peguei o celular no meu bolso e , discretamente, mandei uma mensagem para a minha mãe, torcendo para ela ainda estar acordada para vê-la. 

Sentei em uma cadeira de frente para a Flávia.

-Sabe... -Ela me olhou. -Eu estou me sentindo tão perdida.

-Isso é normal, dadas as circunstâncias, Flávia, mas tem que pensar que você tem todo o apoio profissional possível para ajudar o Bernardo. Além de nos ter para te dar apoio emocional... Sei que não somos a sua família, mas estamos aqui para você... Sempre. 

-Vocês são mais que família, Anne. -Ela forçou um sorriso e eu retribui feliz. Saber que a Flávia nos considera importante em sua vida é maravilhoso, pois nós temos um enorme carinho por ela e por tudo que fez pela gente. 

Ela continuou a chorar.

-Eu me sinto tão culpada... -Ela precisava desabar e sentiu que poderia fazer isso comigo. Eu não era muito boa em dar conselhos, mas, às vezes, as pessoas só querem ser ouvidas. -Eu quero muito que o Bernardo recupere a memória e vou fazer de tudo para isso... Mas... -Ela encarou a geladeira, refletindo se era certo ou não terminar a frase.

De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora