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Quando eu acordei já eram sete horas da noite e o cheiro da janta invadia o meu quarto. Antes de levantar da cama, peguei o celular para ver se tinha mensagem da minha mãe com notícias do Bernardo e sim, tinha. 

"Ele perdeu mesmo a memória, a Flávia está arrasada."

"Eu não sei o que dizer para ela... Ela não consegue parar de chorar"

Sabe aquelas cenas de filme quando a pessoa lê algo muito chocante e o celular simplesmente desliza para fora das mãos? Então, foi exatamente o que aconteceu comigo. Eu tinha acabado de acordar e saber de uma notícia dessas foi demais para o meu cérebro. Não conseguia acreditar que o Bernardo não lembrava de nada, nem ninguém. A Flávia deve estar arrasada pelo seu único filho não ser capaz de lembrar dela. Voltei a ler suas mensagens.

"Você pode trazer umas roupas para ela e para o Bernardo? Esqueci de pegar hoje cedo"

Decidi ligar para ela.

-Oi, mãe. 

-Oi... Só um minuto. -Ela ficou em silêncio por um tempo. -Pode falar, filha.

-Como estão as coisas? Ele não lembra de nada mesmo? -Levantei da cama.

-Não, isso é muito estranho. Quando eu cheguei aqui ele ainda estava dormindo e quando ele acordou não reconheceu nem a Flávia. Ela ficou desesperada e ainda não conseguiu falar com ele direito, eu quem estou falando mais. 

-Mas isso é passageiro? Ele vai recuperar a memória? 

-Não tem como saber. Ele vai precisar fazer tratamento, mas não é garantido. Quando mexe com o cérebro é complicado.

-Eu sei...

-Mas, diga... Você consegue trazer as roupas?

-Você vai passar à noite ai? 

-Acho que sim... 

-Eu estava pensando em mandar a roupa pelo Uber, pois se eu for vou ter que voltar. -Ela ponderou a ideia e concordou. -Vou arrumar uma mochila para cada um e aviso quando mandar. -Ela concordou novamente e desligamos a chamada. 

Saí do meu quarto e fui direto ao dela separar algumas roupas. 

-Boa noite, família. -Fui para a sala com a mochila nos ombros.

O Cae veio em minha direção e me puxou até o trenzinho dele. 

-Ele está nisso o dia inteiro. -Meu pai falou da cozinha, lavando a louça. -Vai sair? -Ele me olhou.

-Não, só vou mandar umas roupas para o hospital pelo Uber. -Falei indo caçar o cronômetro na gaveta da cozinha. Ajustei para vinte minutos e fui até o meu irmão.

Coloquei o cronometro na sua frente.

-Meu amor, quando esse despertador chegar ao zero e apitar eu brinco com você. 

Ele resmungou.

-Vamos lá, Cae! Você sabe como funciona... Vão ser vinte minutos e eu volto... Tudo bem? 

Ele concordou dessa vez.

-Ótimo. -Fui em direção a porta de saída da nossa casa. -Vou pegar umas roupas para a Flávia e para o Bernardo e já volto. 

Caminhei pela varanda até a entrada da casa da Flávia e o primeiro quarto que entrei foi o dela. Peguei algumas coisas que achei importante e fui para o quarto do Bernardo.

Sempre foi estranho entrar no quarto dele, pois vive uma zona e não é comum entrarmos no quarto de pessoas que não gostamos, mas cá estava eu pela segunda vez em menos de um mês. Dessa vez foi mais estranho que dá outra, pois agora eu lembrava daquele ambiente, mas ele não. É como se eu tivesse vendo a alma e o espirito da pessoa, sem um corpo.

Tentei não pensar muito enquanto tentava achar algo limpo e usável em seu quarto. Por fim, peguei algo que eu não soube dizer se havia sido lavado. Em pensar que eu limpei esse chiqueiro semana passada...

Não podia enrolar muito, tinha menos de dez minutos para estar em casa ou o Cae poderia ter outra crise por eu não cumprir nosso combinado. Sai da casa da Flávia quase que correndo e pedi o Uber, o qual não demorou muito. Coloquei as mochilas no carro, avisei a minha mãe e entrei em casa. Bati a porta exatamente no horário que o cronômetro marcou o zero.

Eu e meu pai respiramos aliviados.


De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora