De repente tudo mudou

90.

A semana não teve muita movimentação. De manhã fui para a escola, a tarde estudei e fiquei com o Cae e à noite fui ver filme com o Bernardo. Apesar de muito corrida e cheia de compromissos, ela passou rápido e logo era sábado.

Eu tinha acabado de almoçar com a minha família quando meu celular tocou indicando uma mensagem. 

"Meu médico liberou eu sair de casa e andar um pouquinho... A gente podia fazer alguma coisa"

Era o Bernardo no grupo que criamos semana passada. Desde aquele dia, não teve um dia sequer que passamos sem falar alguma coisa lá. A maioria das mensagens eram memes ou a gente atualizando o Bernardo sobre cultura pop e informações inúteis sobre a vida dos famosos. 

"QUE NOTÍCIA ÓTIMAAAA!!!" -A Júlia falou.

"Que bom, Bernardo!" -Todos ficamos felizes por ele.

"Podemos ir ao circo" -O Rennan sugeriu.

"Acho ótimo" -Apoiei a ideia. Mas quem tinha realmente que achar a ideia boa era o Bernardo, afinal é a primeira saída que ele vai se lembrar de fazer. 

"Que horas?" -O Bernardo perguntou.

"Tem uma sessão às 18h" -O Rennan falou.

"Fechado! Se quiserem, podem vir para cá e quando der a hora saímos daqui."

"Pode ser! Estou de bobeira aqui mesmo." -A Júlia foi a primeira a responder e, como um vai puxando o outro, todo mundo acabou concordando, até eu. 

Guardei o celular no bolso e fui falar com a minha mãe. 

-Mãe, eu vou lá para o Bernardo. -Ela me olhou por alguns segundos antes de responder, mas concordou, por fim. Durante a semana ela foi amadurecendo a ideia da minha amizade com ele. Não sei dizer se ela está de boa com isso, mas não reclamou mais. -Vamos nos encontrar com alguns amigos e à noite vamos ao circo. 

-O Bernardo já conseguiu fazer amigos? -Minha mãe perguntou empolgada. Ela quer o bem dele, quer que ele tenha amigos e consiga ter uma boa vida, a sua maior preocupação é ele me fazer sofrer com a volta da memória e eu não posso julgá-la por esse medo, pois, em alguns momentos, eu também penso nisso. Eu não acho que vou sofrer, pelo menos não como a minha mãe imagina. 

-Ele conseguiu se aproximar de duas pessoas lá da escola e meus amigos estão se dando bem com ele também. 

Minha mãe sorriu.

-Que bom, Anne. Eu fico feliz! Ele merece conhecer gente legal.

-Merece mesmo, mãe. -Deixei escapar um sorriso que não passou despercebido. -Bom, eu vou indo. -Abracei minha mãe e falei para ela mandar um beijo para o papai e para o Cae.

Não demorou dois minutos para eu estar na sua frente perto da piscina, lugar que parece ser o seu canto preferido da casa.

-Eu não vejo a hora de poder pular nessa piscina. -Ele falou assim que sentiu a minha presença. 

-Quanto tempo mais você tem que ficar de gesso? -Sentei na espreguiçadeira ao seu lado.

-Pelo menos, mais um mês. 

-Deve ser um saco! -Falei olhando para o gesso. Apesar de ele estar usando há um mês ainda está tão branquinho.

Ele estendeu um marcador permanente na minha frente. 

-Assina? -Olhei para ele, que mexeu o braço indicando que eu deveria pegar o marcador. -Logo eles vão chegar e eu falei que queria que você fosse a primeira. 

Peguei o marcador de sua mão.

-Eu não sei o que escrever. -Falei envergonhada. 

-Nisso eu não posso te ajudar. 

Ele virou para mim e apoio a perna na espreguiçadeira que eu estava sentada. Olhar para aquele gesso, foi como olhar para uma página em branco. Eu poderia escrever algo como "melhoras" ou "fica bom logo", mas eu preferi pensar em algo que mais personalidade e que representasse nossa breve relação.

Se o tempo é capaz de proporcionar amizades probabilisticamente improváveis. É óbvio que ele tem o poder de te deixar novinho em folha.

Não é bem uma frase que vai marcar uma geração, mas foi o melhor que eu consegui pensar na pressa e no calor do momento. 

Escolhi um lugar no gesso, escrevi e ainda coloquei um coração. Entreguei a caneta de volta para ele.

-Isso foi a coisa mais linda que você me disse. -Ele me olhou nos olhos. 

-Foi sincero. -Forcei um sorriso, tentando não ficar da cor de um camarão. 

-Obrigado. 

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