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-Anne... -Sua voz voltou ao normal. Ele me olhou com os olhos arregalados e com uma dor enorme transbordando deles.

Ele deu um passo na minha direção e eu dei outro para trás. Notei que a minha reação fez com que ele ficasse triste, mais que isso... Mas eu não pude evitar. Não consegui evitar me afastar dele. Meu coração estava acelerado. O jeito que ele falou comigo, o seu tom de voz... Era como ele falava comigo há um tempo atrás. 

-O que aconteceu? -Perguntei assustada e com um pouco de falta de ar.

-Eu... -Ele estava confuso e triste. Ele olhou ao redor tentando buscar palavras e vi que algumas lágrimas escaparam de seus olhos. -Eu lembrei de algumas coisas hoje, umas coisas horríveis. 

-Do que você lembrou? 

Será? Será que ele ter acesso a essas memórias vai conseguir apagar tudo de bom que ele se tornou? Um calafrio subiu pelo meu corpo só de pensar nisso. 

-Lembrei do dia que te humilhei na frente do menino que você ficou na festa e lembrei das merdas que disse para a Júlia. -Ele levou as duas mãos ao rosto. -Eu não quero essas merdas de memória! 

Eu queria abraçá-lo ao mesmo tempo que queria sair correndo. Apesar de eu ter visto que ele continua o mesmo, não posso negar que o seu tom de voz me trouxe a tona memórias que eu não queria acessar. Sei que não tem nem comparação o que ele está sentindo nesse momento, mas eu simplesmente não consigo me aproximar. 

Um carro parou ao nosso lado e eu agradeci silenciosamente por isso ao mesmo tempo que eu me sentia um monstro. Eu vi o Bernardo sofrendo e não fiz nada, não falei nada! 

Ele limpo o rosto e entramos no carro. 

-Boa noite. - O Bernardo falou para o motorista ao entrar no carro, segui o seu gesto e o homem nos respondeu educadamente. 

O trajeto até o casamento foi silencioso. 

Eu queria ter algo para falar, queria conseguir ajudá-lo, mas hoje foi um lembrete. O passado é algo que nunca poderá ser esquecido e, por mais que eu tente só focar no futuro, ele estará lá podendo de surpreender a qualquer momento. 

Durante o percurso lembrei do que pensei ao ver o Bernardo parado na frente da minha porta, do quanto ele estava lindo e do quanto eu fiquei com vontade de... 

Vontade de beijá-lo. 

Acho que se tivéssemos a sós eu teria o beijado... 

Mas que bom que não estávamos. 

Eu não posso beijá-lo, não posso me envolver com alguém que me machucou tanto. Alguém que a qualquer momento pode lembrar e se tornar uma pessoa completamente diferente. Eu não posso viver constantemente segurando uma bomba que pode ou não explodir. Eu não posso querer o Bernardo da forma que eu me passou pela cabeça ainda agora.

Eu...

Simplesmente...

Não posso...


De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora