63.

731 46 1
                                    


-Eu não ia dizer isso... -Minha voz quase não saiu o que fez o Bernardo sorrir.

-Não quero que apoie minha decisão, mas eu precisava para contar para alguém.

-Quando vai contar para sua mãe? -Queria mudar o foco do assunto o mais rápido o possível.

-Ela começou a terapia agora, sinto que está mais calma... Acho que logo terei coragem para contá-la.

-Vai parar a terapia? -Perguntei preocupada.

Mesmo ele não querendo recuperar a memória, ele precisa da terapia, mesmo que seja para aceitar que não vai recordar seu passado. Ele não vai lembrar do seu primeiro dia de aula, das vezes que ficou pela varanda tirando fotos com o pai ou das vezes que a sua mãe o levou para viajar.

-Não! -Antes que ele pudesse responder algo, eu falei. -Você não pode não querer lembrar da sua infância, dos seus avós e das suas experiências.

-Eu não quero que você apoie, Anne.

-Ainda bem, pois eu jamais conseguiria apoiar um negócio desses! -Fiz uma pausa. -Tem certeza disso? De verdade?

Ele acenou com a cabeça.

-Tinha comentado isso com a minha psicóloga e ela disse que isso tinha que ser uma decisão minha, mas que, independente da minha escolha, a minha memória pode voltar a qualquer momento como pode nunca voltar. Desistindo da terapia eu posso estar comendo um bolo e lembrar de algum evento e por aí vai. Se a minha memória voltar, vai ser por acaso.

Sorri para ele, pois mesmo sem apoiá-lo queria que soubesse que eu não o julgaria.

A imagem da Flávia passou pela minha cabeça. Pensar na reação da Flávia era bem difícil, pois ela ficaria em uma saia justa. Suas reações, com certeza, circulariam entre querer que o filho não tivesse nenhuma sequela do acidente e querer o filho gentil e simpático. Sei que ela se sente culpada quando pensa que o filho está melhor agora e não consigo imaginar qual será sua reação quando ouvir do próprio filho que ele também se prefere agora. 

Ignorando tudo o que já passei na mão do Bernardo... Por um ínfimo segundo... Seria legal morar perto de uma pessoa da minha idade que não seja deplorável. Poderíamos passar um tempo conversando e falando sobre as coisas das nossas futuras faculdades e interesses. Quem sabe ele não vira amigo da Liara e do Caíque e podemos sair juntos?

-É... -Conclui. -Vai ser legal ter você sem todo o resto. -Sorri.

Ele sorriu de volta...

E que lindo sorriso ele tem.


De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora