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-Boa tarde, Bernardo. -Foi o que eu disse quando parei na frente de sua porta aberta. Nada muito excepcional, eu sei, mas era o melhor que eu tinha.

-Oi, Anne. Entra ai. -Ele deixou o livro de lado. -Como foi na escola? -Lembrei da conversa nada agradável com o seu melhor amigo, mas não quis comentar.

-Não vamos falar de escola. -Sentei na poltrona. -Pensei que poderíamos continuar a ver Harry Potter.

-Assim você passa tempo comigo, mas não precisa falar comigo. -Esse Bernardo 2.0 está muito parecido com a Liara. Ah, vocês sabem, ele está muito direto e sem papas na língua, o que é uma merda, pois ele consegue me deixar bem desconfortável com a verdade.

-Não força, Bernardo. -Mas depois de conviver tanto com a Liara, você aprende a esconder o desconforto e, com o tempo, se acostuma.

As pessoas estão muito acostumadas em seguir um roteiro nas interações sociais e quando encontram alguém sincero e que fala as coisas direto na cara, não sabem como lidar. A Liara é muito mal interpretada em algumas situações, mas ela não deveria ser a exceção, mas sim a regra, pois sinceridade não deveria ser tão raro assim.

-Vamos ver! Quem sabe os filmes façam eu virar da Sonserina?

-Se os livros não fizeram, não vai ser um filme que só foca na Grifinória que vai. -Levantei da poltrona para pegar o filme. Enquanto eu o procurava, a fala do Giovanni veio a minha cabeça "Ele vai recuperar a memória e ver a merda que fez em ser simpático e vai sentir nojo de ter flertado com você".

Será que o tratamento está fazendo efeito? Será que o Bernardo está recuperando a memória? Será que ele vai voltar a ser o mesmo babaca de antes?

-Como está o tratamento? -Soltei as palavras antes que a coragem de perguntar fosse embora.

Deixei de procurar o filme e virei-me para ele que estava chocado com a pergunta. Consegui ver que ele escondeu um sorriso.

-Eu estou começando a lembrar algumas coisas de quando eu era criança, mas são só flashes. Não consigo identificar as pessoas, mas sei que estão lá.

-Espero que recupere sua memória logo. -Sorri, mostrando solidariedade.

-Tenho medo do que eu vou lembrar.

-Você não pode mudar quem era, mas pode mudar quem é e fazer um futuro melhor.

-Minha mãe ainda chora todos os dias antes de dormir, eu consigo ouvir. Às vezes fico pensando... Não sei se ela chora porque eu estou sem memória ou porque sou um filho melhor sem ela.

-Bernardo... Sua mãe te ama e sempre te amou.

-Não duvido do amor dela por mim, mas o jeito que ela me trata parece que nunca recebeu amor de mim. Ela fica vindo aqui no quarto toda hora e falando coisas lindas... Eu não estou reclamando, longe de mim reclamar dela, mas parece que ela nunca pôde falar essas coisas antes.

Fiquei desconfortável, pois era exatamente isso. Não sabia o que dizer para confortá-lo, porque não tem como livrá-lo da verdade para sempre. Se a memória dele não voltar, ele vai precisar continuar a viver. Ele vai voltar para a escola e terá contato com os amigos e, aos poucos, ele vai se conhecer pelo ponto de vista dos outros.

-Você pode mudar seu futuro.

-Eu sei que você já disse que não é a pessoa certa para isso e sei que você é a última pessoa que eu deveria pedir o que eu vou pedir, mas...

-Não faz isso, Bernardo. Não me faz falar sobre você.

-Você é a única pessoa que eu confio no que vai dizer.

-Por que eu?

De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora