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Foi uma época da minha vida que eu não lembro muito bem, deveria ter uns dois ou três anos... Tudo de ruim que ele fez para mim desde quando entramos na escola, supera as poucas vezes que compartilhamos chupetas ou vimos filmes juntos puxando um o cabelo do outro (como conta a minha mãe).

Ele percebeu que eu não queria falar sobre aquilo e ficou quieto esperando o filme começar.

-Eu sou da Lufa Lufa. -Ele falou assim que os créditos apareceram na tela e eu não consegui não cair na gargalhada com a ideia do Bernardo pertencer a casa que abriga as pessoas mais simpáticas, justas e modestas. -É uma ideia tão impossível assim?

-Bernardo... -Falei parando de rir. -É mais fácil você ser da Corvinal do que da Lufa Lufa e olha que a maior nota do seu boletim deve ser um sete.

-Deixa eu adivinhar... Para você eu seria da Sonserina?

-Sem a menor sombra de dúvida!

-Bom, eu poderia até ser da Sonserina, mas agora me considero uma pessoa muito legal e serei da Lufa Lufa.

-Como quiser. -Falei levantando para tirar o filme.

-Quer ver mais um? -Ele perguntou hesitante.

Virei-me para ele, pronta para recusar a ideia.

-Olha, Bernardo, eu preciso estudar.

-Corvinal, com certeza você é da Corvinal! -Deixei escapar uma risada.

-Nem todos podem se dar o luxo de não passar na faculdade.

-Eu... Eu não... -Ele ficou sem jeito e bem desconfortável. Ele estava fazendo uma piada e eu fui completamente seca com ele.

-Eu só preciso mesmo ir, legal? -Ele deu de ombro sem ter muito o que dizer.

Era estranho, mas dava para ver como ele fazia questão da minha presença e queria que eu ficasse com ele. Mais estranho ainda é quando ele me lança um olhar super penetrante que é como se ele pudesse ver até a minha alma. Desde quando chegou do hospital não hesitou em ser simpático comigo, até deu em cima de mim! Meu deus, essa ideia dele dando em cima de mim chega a ser repugnante.

-Vai voltar outro dia para vermos o resto? -Ele estava mais distante.

-Segunda-feira. -Coloquei o DVD de volta no lugar certinho.

-O Giovanni ficou de vir aqui amanhã.

-Que legal, Bernardo. -Fui sincera, era mesmo legal o Giovanni se preocupar com ele. Não que ele fizesse algo mais que a obrigação dele como amigo, mas dado os amigos do Bernardo... É possível esperar qualquer coisa.

-Ele é legal? -Ele estava... Com medo... -Digo, será que eu vou gostar dele? Ou ele de mim?

Tente não ser ignorante! Tente não ser ignorante!

As palavras ficavam se repetindo na minha mente como um mantra.

-De todos os seus amigos, ele é o único que eu acho que se preocupa de verdade com você. O Giovanni mesmo ferrado em casa tentou contato todos os dias, até conseguir falar com a sua mãe. Não importa se você está sem memória, ele é o seu melhor amigo. -Não sei bem como vocês se suportam, mas são amigos...

-E se ele falar coisas sobre mim e eu não gostar?

Encostei no armário.

-Bernardo, levando em conta que agora você se considera uma pessoa da Lufa Lufa você vai escutar coisas que não vai gostar de ouvir. Ele vai te falar coisas que você vai achar um absurdo, mas você tem que ter em mente que isso é quem você era e se você não gostar de quem era, pode mudar... A gente sempre pode mudar. E mesmo que sua memória volte, você não precisa voltar a ser o mesmo cara.

-Você está certa. -Ele forçou um sorriso, mas era nítido como estava preocupado.

-Estou com medo de não gostar do meu único amigo.

-Não acho que você vai achá-lo tão chato assim.

Eu tinha que falar algo para acalmá-lo, né? Era o certo a se fazer, até porque se ele gostar do Giovanni, talvez pare de fazer questão de me ver.

-Eu gosto de você e se você não gosta dele, eu não acho que vá gostar.

Suspirei, essa conversa já está ficando profunda demais e eu não sou psicóloga para ficar ouvindo problemas, muito menos sua amiga.

-Eu só gosto de três pessoas nesse mundo que não são da minha família. A Liara, o Caíque e sua mãe. Não me tome como parâmetro. -Dei de ombros.

-Tudo bem. -Ele não prolongou a conversa. Ótimo.

-Tchau, Bernardo. Espero que dê tudo certo amanhã. -Caminhei para a saída.

-Até segunda.

Como eu queria não ter que voltar na segunda...

De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora