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Subi as escadas e parei na porta do quarto dele. 

O Bernardo estava olhando para o celular, pensativo. Reconheci o vídeo que ele estava vendo, embora não soubesse que tinha um vídeo daquele momento quando ele me humilhou na frente do cara que eu fiquei (que também me humilhou). Por um segundo eu pensei em dar meia volta e ir embora, mas foi tarde demais para agir, pois ele já tinha me visto.

-Anne? -Ele limpou os olhos e colocou o celular ao seu lado na cama. 

-Ah... -Fiquei meio desconcertada, sem saber o que falar. -Eu achei que precisava conversar. -Entrei em seu quarto. 

-Eles me  disseram muita coisa. -Ele passou a mão pelo cabelo.

-Eu imagino. -Falei com compaixão. -Quer dividir?

-Não quero mais te prender aqui, Anne. -Ele falou decidido e me olhou. -Já falei com a minha mãe para falar com você que não precisa mais vir me ver. 

-Mas... 

-Não, Anne. Você nunca me disse as coisas que eu tinha te feito, então eu imaginava. Te chamar de pobre, encher seu saco por morar na minha casa ou até zombar de você por não poder pagar a escola... Mas... -Seus olhos se encheram de lágrimas. -Foi tudo tão pior que isso. Te humilhar todo santo dia, estragar o seu notebook novo e tentar fazer você perder a bolsa da escola. Eu não consigo imaginar toda dor que te causei e entendo porque nunca quis vir me ver. 

Eu não sabia o que dizer. Realmente eu não queria ter que vir ficar com ele toda tarde, mas até que ele não era difícil de aturar e eu podia usar isso como desculpa para dar um tempo nos estudos. Se bem, que tem o lado positivo eu não precisar mais vir vê-lo: eu vou poder parar de fingir que está tudo bem.

-Desculpa, Anne. -Ele olhou nos meus olhos e eu senti, no fundo da minha alma, que ele estava mesmo arrependido de tudo que tinha feito. 

-Está tudo bem. -Não sei se as palavras foram sinceras ou se foi apenas da boca para fora, mas fiz o possível para ser convincente, pois sabia que ele estava sendo sincero.

Ele não pareceu cair na minha encenação, mas não comentou nada.

-Posso te pedir um favor? Um último favor. -Assenti. -Eu queria que você anotasse os nomes e uma forma de contato de todas as pessoas que eu ofendi. Vou pedir desculpa para cada um. 

Sorri.

-É uma atitude legal.

-Você acha?

-Tenho certeza. 

-Obrigada, Anne. 

-De nada, Bernardo. -Ficamos em silêncio por um tempo e eu senti que precisava falar algo. -Se você quiser conversar, eu posso te ouvir. 

Ele negou com a cabeça, mas começou a falar logo em seguida. 

-Eles são pessoas horríveis, me contaram as coisas rindo e se divertindo. Como alguém pode ser feliz assim?

-Eu não sei, Bernardo. Mas eu sei de uma coisa. -Sentei na beirada da sua cama. -Sempre podemos mudar aquilo que não gostamos em nós, com ou sem perda de memória. 

-Eu fiz muita coisa ruim.

-E jamais poderá desfazê-las, mas você tem o poder de não repetí-las. 

-Com certeza não irei. -Levantei da cama.

-Amanhã eu te entrego a lista. -Ele concordou. -Se precisar de mim, você sabe onde eu moro. -Dei um leve sorriso e saí de seu quarto. 

Antes de ir para minha casa, respirei aliviada.


De repente tudo mudouOnde histórias criam vida. Descubra agora