Capítulo 65

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  Alfonso não apareceu no trabalho na sexta-feira. Provavelmente envergonhado depois da noite anterior. Era melhor. Eu tinha ficado tão abalada com a presença dele, que precisei tomar remédio para dormir. Três horas de sono me deixaram mais cansada do que eu estava antes.

— Você precisa comer, Anahi - Maite me encarou firmemente. Eu apenas brincava com a salada em meu prato - Você emagreceu tanto em tão pouco tempo que não sei como está conseguindo se manter em pé.

— Estou bem. - menti, sem tirar os olhos do prato. Ela suspirou.

— Escuta... Odeio dizer isso, mas encontrei Alfonso essa madrugada. Ele apareceu lá em casa, morto de bêbado, chorando como um bebê. Andrés está com ele agora, inclusive... Ele está mesmo mal. Não parou de falar no quanto fez merda e tinha destruído a única coisa boa que ele tinha conseguido em anos.

— Essa é uma verdade. - resmunguei.

  Ainda assim, pensar em Alfonso bêbado, chorando e tão mal quanto eu, me fez oscilar. Senti meus olhos lacrimejando e funguei, balançando a cabeça. Flashes da esposa dele aparecendo em Seychelles me surgiram e fiquei inquieta. Peguei a bolsa e levantei.

— Vou sair.

— Aonde você vai? Eu vou com você.

— Mai, preciso ficar um pouco sozinha. Por favor. Se eu precisar de alguma coisa, te ligo.

  Não esperei a resposta dela e saí do restaurante. Parei de andar duas quadras depois, olhando uma vitrine, sentindo lágrimas deslizando por meu rosto. Ergui a cabeça e vi o letreiro: Buy Buy Baby. Enxuguei as lágrimas e me recompus, entrando na loja, onde fui rapidamente atendida por uma vendedora.

— Olá, posso ajudar? - ela sorria educadamente.

— Oi... - sussurrei. Como eu tinha parado ali? Eu nem ia ser mãe, afinal. Eu estive jogando isso no fundo da minha mente, mas toda noite ficava deprimida - Eu queria ver... Uma roupinha...

— Claro - a moça me guiou até uma salinha separada - Vou deixá-la à vontade. Se precisar de alguma coisa, aperte esse botão e eu venho ajudar - me entregou um controle e saiu.

  Fiquei observando o lugar. Tinha enxovais completos, bichinhos de pelúcia, berços e roupinhas. Peguei um macacão branco de algodão e o cheirei. Era delicioso. Lágrimas já brotavam dos meus olhos.

— Merda, eu estou uma maldita chorona. - resmunguei, enxugando furiosamente as lágrimas.

  O pequeno macacão era lindo. Imaginei como seria vesti-lo em um bebê parecido com Alfonso. Imaginei um bebê com seus os olhos e os seus cabelos. O contorno das sobrancelhas e o nariz perfeitinho. Segurando o macacão, fiz a promessa de não ter filhos. A ideia de perder mais um bebê me deixava doente e eu com certeza não aguentaria se isso acontecesse novamente.

  Fiquei acariciando o macacão enquanto chorava silenciosamente, pedindo desculpas ao meu filho por não ter sido forte para deixá-lo viver.

— A senhora está bem? - a vendedora apareceu com o semblante preocupado. Enxuguei as lágrimas e vi que eu tinha dez minutos para voltar à empresa.

— Desculpa... - forcei um sorriso - Fiquei emocionada.

  Ela sorriu e acenou com a cabeça.

— Primeiro bebê?

  Tive vontade de chorar mais, mas só assenti com a cabeça. Ela se aproximou, ficando de frente para mim.

— A senhora parece estar assustada com isso, mas não precisa. Quando essa criança nascer, vai ver que ela é a melhor coisa que poderia ter acontecido. Também fiquei assustada com o meu primeiro bebê, mas assim que o vi pela primeira vez, tudo se dissipou - suspirou - E gostei tanto de ter filhos que hoje tenho quatro.

  Olhei espantada para ela, que riu e enxugou uma lágrima no canto de seus olhos. Olhei o macacão e a promessa de não ter mais filhos, a culpa por não ter conseguido gerar essa criança, não tê-lo visto nascer.

— Eu vou levar... - sussurrei por fim.

  Já estava acostumada a chegar em casa e não encontrar Angelique. Ela estava trabalhando num bar em Manhattan e só estava no Bronx novamente por volta das três ou quatro da manhã.

  Era a primeira vez que estava caindo a ficha do que realmente tinha acontecido comigo. Eu tinha sido manipulada, a mulher que eu sempre batalhei tanto para não ser, mesmo que não soubesse o que estava acontecendo.

  Acariciei a barriga lisa e chorei como um bebê, as lágrimas se misturando com a água que caía sobre mim. Tremia violentamente e cada soluço era como se alguma parte de mim estivesse quebrando mais.

— Desculpa, bebê. Mamãe não conseguiu deixar você viver. Tão pequenininho você teve que ver tanta coisa, sentir tanta coisa e acabou não aguentando.

  Acho que nunca tinha me sentido tão sem chão como naquele momento. Nem quando Enrico foi embora, ou Belaflor começou a me agredir, nem mesmo quando ela me fazia de pagamento para um maníaco. Eu havia chegado ao fundo do poço. Completamente.

  Vesti um roupão e enrolei uma toalha na cabeça, ficando na porta do quarto, observando a sala, a cozinha...

  Tudo, absolutamente tudo, lembrava Alfonso. O tapete da sala quando conversávamos lá por horas, o sofá que batizamos com sexo pelo menos três vezes, a ilha da cozinha que era onde ele me beijava depois do café, o banheiro, onde ele me lavava e me tocava tão docemente e o quarto... Deus do céu, o quarto, que tinha sido o lugar que eu o amava com tudo o que eu tinha, onde eu dava tudo de mim.

  Não sei exatamente em que momento eu perdi a cabeça, mas ter tantas lembranças dele estava me matando lenta e dolorosamente.

  Comecei a quebrar tudo, vasos, a TV e o DVD, derrubei o armário, puxei as cortinas, rasgando-as, a geladeira foi ao chão também, junto com os utensílios de cozinha, enquanto eu gritava como uma louca.

  Peguei um facão que Maite havia me dado e comecei a rasgar o sofá violentamente, mal enxergando por causa das lágrimas e mal ouvindo meus próprios gritos, meu coração zunindo violentamente em meus ouvidos.

— Ai, meu Deus do céu. Anahi, pelo amor de Deus, para com isso! - ouvi alguém gritando, mas não consegui parar - Anahi! Você vai se machucar, por favor, para com isso! - tentaram me puxar, mas me afastei e continuei rasgando o sofá, a espuma voando por todos os lados.

  Corri para o quarto, rasgando as cortinas também, quebrando o espelho, virando o guarda-roupa, escutando gritos histéricos atrás de mim enquanto eu rasgava todo o colchão.

  Quando consegui me acalmar, deitei no chão e fiquei olhando o teto, pensando no buraco que eu tinha me enfiado. Lágrimas ainda borravam a minha vista e só o que eu conseguia pensar era que estava tudo acabado.

  Tudo acabado.

— Meu Deus...

  Reparei que era Angelique que estava ali o tempo todo e me chutei internamente por ela ter visto uma cena tão deprimente quanto essa. Ela tirou o facão da minha mão delicadamente enquanto eu voltei a soluçar.

  Mas que droga, eu vou viver chorando agora?

  Olhei em volta e vi o quarto numa completa bagunça. Vidros no chão, além da cortina, armário, roupas bagunçadas e rasgadas, o colchão completamente destruído. A casa inteira tinha ficado naquele estado.

— Acabou, Angel - sussurrei, balançando a cabeça - Acabou tudo.

— Ah, Any... - sentou no chão, puxando-me para seu colo.

  Agarrei seu braço com força, chorando copiosamente por tantas perdas que tive na vida. Meus pais, a adolescência da minha irmã, minha própria adolescência, meu filho. Alfonso.

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