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MURILO NARRANDO:

Ei Deus, você está aí? Pode me ouvir? Pode ouvir o meu coração gritando por socorro e minha voz cansada suplicando por um pouco de alegria? Pode me ver? Pode ver a quantidade de lágrimas já derramadas nesse dia torturante?

Me posicionei de frente para o espelho e tudo o que vi foi o semblante de tristeza em um rosto pálido com algumas lágrimas nos olhos. Por alguns instantes senti a solidão me fazendo companhia. Sentimentos indevidos se alojaram em meu coração. Os meus gritos implorando por socorro estão tão baixos que não passam do teto. Talvez a dor esteja destruindo qualquer tentativa de fugir de toda essa situação. Mas... Ei Deus, eu acredito em você. Acredito que o seu abraço me protege de todos os males, que a dor se torna minúscula diante do seu sorriso e que o seu amor a destrói por completo.

Eu acredito em você, Deus.

Eu acredito.

Sinto o quente do cigarro batendo em meus braços. Todo dia é a mesma coisa. Tortura atrás de tortura. Eu só tenho seis anos. Mereço sofrer desse jeito? O que eu fiz de tão errado nessa vida para sofrer assim? Eu sou apenas uma criança... EU NÃO PEDI PRA NASCER.

Minha mãe. A mulher que deveria cuidar de mim. A mulher que deveria me proteger. Seu papel devia ser cuidar de mim, não me espancar, me torturar...

— Anda moleque — da um tapa em minha cabeça — vai atrás de dinheiro que hoje eu quero beber e fumar. Bora.

Permaneço parado olhando todas as manchas roxas e as marcas de agressões por todo meu corpinho pequeno.

— Ta surdo, porra? — me joga uma panela na cabeça me fazendo cair no chão —  Tá achando que vai morar na minha casa de graça? — negou rindo — Achou errado. Se você não me trazer uma boa grana hoje você irá para a rua. Entendeu?

Apenas assenti sentindo as lágrimas descer livremente sobre meu rosto.

— TA CHORANDO, PIRRALHO? — esbravejou — Você é um fraco mesmo. Homem não chora.

Sai praticamente correndo do barraco que eu chamava de casa. Aquela casa é um verdadeiro inferno. Toda suja. Louça suja. Seringa e drogas por todo lugar. Camisinha também está em cada canto.

Saio da comunidade e vou no semáforo pedir dinheiro, como em todos os dias.

Minhas mãos pequenas batem nos vidros dos carros, nos braços se destacam queimaduras de cigarros.

— Oi tia, pode me dar uma ajuda? — pergunto assim que a dona abaixou o vidro do carro.

— O que um menino tão bonito tá fazendo aqui na rua? — pergunta me olhando com carinho, coisa que minha mãe nunca fez — Você não deveria estar na escola?

— Que escola, dona? Eu peço dinheiro pra sobreviver. — minto.

Eu fico dia e noite pedindo dinheiro no semáforo, faça chuva, faça sol. E tudo que eu ganho entrego para a minha mãe. E ela? Ela gasta tudo com drogas.

Por muitas vezes para comer, eu vasculho os lixos na comunidade procurando algo pra comer.

— Eu não tenho dinheiro aqui — suspira — Mas tenho cartão — ela ri com seu pensamento — Vamos ali na venda da esquina? Eu te compro um salgado e algo pra você beber?

Depois que te conheciOnde histórias criam vida. Descubra agora