CAPÍTULO 9 - O CORPO DE XICA

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Olhava para trás para ver se Mathias a seguia e,  mesmo constatando que ele não o fazia, continuou correr até chegar à uma casa simples que possuía uma placa escrita: "Sapataria da Cidade". Xica empurrou a porta e colocou a cabeça dentro da casa para observar se Antônio estava acordado. Estava tudo apagado e a luz da lua entrava pela janela, mas Xica não entrou. Deu a volta e foi até o poço, de onde pegou um pouco de água e carregou para dentro da casa.

Estava quase terminando de atravessar a sala quando Antônio apareceu dizendo:

- Aconteceu alguma coisa? Voltou cedo, hoje.

- Deu tudo certo, mas me senti mal. Resolvi voltar para casa - Explicou Xica ao entregar a maior parte das moedas que havia recebido de Dr. Benê - Sua parte.

- Muito bom! - disse Antônio - Pode se recolher!

O homem foi para seus aposentos e Xica caminhou até o pequeno quarto onde uma cama de palha estava montada. Ela deixa o balde ao lado e se prepara para fazer sua higiene pessoal. Retira seu turbante e o pendura em qualquer lugar enquanto, em sua mente, conversava com Enzo sobre o ataque que sofreu.

- Se ele é um verdadeiro cristão, deve ter um bom coração. Só deve estar confuso! - Considerou Enzo.

- Não é a religião que define o caráter do homem, mas sim suas atitudes. - Argumentou Xica.

- Você me lembrou da Valencina. Ela sempre fala esse tipo de coisa - Disse Enzo em tom de preocupação, mas rapidamente mudou o tom para continuar - Você teve uma atitude muito nobre ao impedir que eu machucasse o Mathias!

- Não fiz por nobreza, mas sim por sobrevivência! - Justificou Xica como se não merecesse o reconhecimento.

- Você fala como se ele fosse te matar, não acho que seja pra tanto - Comentou Enzo - Acho que ele queria só te dar um susto.

- E você não entendeu o problema dele comigo. Ele me persegue por eu ser do jeito que eu sou.

- Que jeito? - Perguntou Enzo, confuso com o que a mulher dizia.

- Pegue o astrolábio e veja! - disse Xica apontando para o astrolábio - Essa imagem que você vê é uma versão idealizada por mim. Meu corpo é bem diferente do que você vê aqui, na minha mente.

Ao colocar os instrumentos em seus olhos, Enzo observa o quarto onde Xica estava. Ela estava completamente nua, pois já tinha tirado suas roupas, e observava seu próprio reflexo na água do balde. A luz da lua entrava por uma pequena abertura no topo da parede, mas possibilita enxergar a imagem do peitoral de Xica em perfeita nitidez. Diferente dos volumosos seios que ela possui, dentro de sua mente, fora dela, Xica possui um peitoral masculino e explica para Enzo:

- Eu nasci no corpo errado.

Tentou falar alguma coisa, mas tudo que pensava parecia soar ofensivo. Então Enzo disse o que melhor poderia dizer naquele momento:

-Vamos dormir! Tivemos uma noite cansativa.

O galo ainda não tinha cantado quando Xica acordou com as batidas na porta de seus aposentos. Assim que as batidas cessaram, foi possível ouvir uma voz que se afastava da porta:

- Xica? Cadê você? Temos muitos sapatos para entregar! - Falava Antônio enquanto caminhava até a oficina - Com a chegada da Cia de Jesus, amanhã, o nosso trabalho triplicou!

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