CAPÍTULO 38 - A FRIEZA DO CAPITÃO

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O tubarão o levou rapidamente até a ponte, mas quando chegou lá, o capitão apenas lhe disse:

- Quando eu descobri que não sou fruto de uma relação consensual, eu senti uma revolta tão grande. Até porque meu pai parecia ser a melhor pessoa do mundo. Naquele dia, eu decidi que ninguém mais passaria por aquilo.- Nenhuma mulher negra vai ser obrigada a se deitar com um colonizador apenas por ser uma escrava sem direitos. Nenhuma pessoa vai se sentir, como eu me sinto, forjado a partir de um crime.

- Foi por isso que você tentou matá-lo? - Questionou Enzo.

- Foi. Só não o fiz pois minha mãe me implorou. Ela sabia que se eu fizesse, eu seria preso. - Respondeu Elias, mas se afastando, indo em direção a mesa de controle.  - Peraí, vai começar a reunião...

 Enzo sentiu o nervosismo de Elias atravessar seu âmago. Correu para a escultura da deusa Hermes para observar, pelo canhão, o que estava acontecendo.

Na sala, que pertencia, antes, ao comandante Castrozza, os líderes da revolução decidiam seus próximos passos enquanto, lá fora, os oficiais de níveis mais baixos limpavam o sangue do antigo comandante.

- Já soltamos todos os presos e muitos deles se juntaram à revolução! - Disse Cabugo que está de pé, no canto da sala. - Porém, houveram três homens, que nem estavam presos, mas fugiram com medo da reação do Governador.

- Não precisamos deles. Uma revolução não é feita por covardes! - Respondeu Domingues que estava de pé no meio da sala - Pelo menos se mostraram antes de ganharem nossa confiança.

- Isso não é importante. Vamos falar sobre os próximos passos? - Sugeriu Leão Dourado que estava sentado em uma das cadeiras de visita. - O início da revolução foi improvisado, mas veio em ótima hora!

- O que você tem em mente? - Perguntou o Padre José que estava sentado ao lado de Leão Dourado.

- Bem...Amanhã, iremos até a residência do Governador. Os escravos dele já nos mostraram a melhor forma de chegar até o escritório. Assim que encontramos o Governador, ele deve ser deposto e, assim, firmamos a República do Pernambuco. Não... - Explicou Leão Dourado até ser interrompido por um praça que bateu na porta e entrou no escritório.

- Licença. Senhores? Encontramos os três desertores.- Disse o praça.

- Ótimo! Traga eles para conversarem... - Disse Leão Dourado, sendo interrompido por Elias que estava sentado na cadeira que pertenceu ao comandante Castrozza.

- Desculpa te interromper. Mas receio que devemos mandar um recado ao punir os desertores. - Sugeriu Elias.

- Bem...então deixe eles presos! - Ordenou Leão Dourado.

- Execute os três no pátio. - Ordenou Elias ao olhar para o praça que aguardava os líderes decidirem o que fazer - Não podemos gastar comida com pessoas que não são produtivas para a revolução!

O praça apenas acenou com a cabeça antes de deixar o escritório, enquanto Leão Dourado e Cabugo se entreolharam e Domingues e o Padre José faziam o mesmo.

- Leão, você falava de invadir a residência do Governador - Disse Elias fazendo Leão Dourado pensar que o colega pediria para ele terminar de falar, mas não o fez - Eu não acho que seja uma má idéia, porém acho que temos que mostrar que a revolução é mais forte do que ele.

- No primeiro ataque, eles já saberão! - Respondeu Leão Dourado.

- Será? Eu penso que devemos fazer uma demonstração, apenas, para o Governador saber com quem está lidando. - Explicou Enzo - Covarde como ele é, capaz de fugir antes mesmo que a gente chegue em sua residência.

- Mas que tipo de demonstração você está pensando em fazer? - Perguntou Domingues, com um tom de irritação que ficou evidente para todos que estavam ali.

- Há algumas semanas uma fonte revelou que o Governador havia marcado uma reunião com o cônsul britânico, Tyler Lambert, para amanhã de manhã. A pauta do encontro seria sobre as formas de driblar as restrições quanto ao tráfico negreiro. - Falou Elias.

- Sua ideia é atacar o cônsul inglês? Está louco? Vamos criar um problema com o Reino Unido. - Esbravejou Domingues - Você está pensando somente em seus interesses pessoais! Há coisas mais importantes pelo qual a revolução luta.

- Por exemplo, como permitir que brancos brasileiros se casem com brancos portugueses? - Debochou Elias ao soltar um sorriso discreto enquanto Domingues ficou sem palavras.

- Você nem devia estar aqui, não é um dos líderes da revolução! - Gritou Domingues apontando o dedo para Elias - Leão, você não vai fazer nada?

Vendo que Leão ficou em silêncio, Elias se levantou e sem levantar o seu tom de voz respondeu ao colega:

- De fato, não sou líder da revolução como vocês, mas, exceto Leão Dourado, nenhum dos líderes fez algo para que ela acontecesse. Já o que vos fala, é aquele que levantou a espada ensanguentada e pariu a revolução!

Todos ficaram em silêncio. Não encontrava palavras para contra-argumentar com Elias. Leão Dourado, especificamente, sabia que Elias era muito reativo e que qualquer tentativa de deixá-lo de lado, poderia se tornar um tormento. Por isso, encontrou uma forma de resolver o conflito entre os dois colegas.

- Senhores, se acalmem. Domingues, não podemos ignorar o fato que de que a revolução só foi iniciada por conta da atitude de Elias. Além disso, você acha que passaria uma boa imagem, impedindo ele de estar entre nós? O povo vai achar que somos iguais ao Governador. - Disse Leão ao se levantar e depois se dirigir a Elias - Elias, entendo seu ponto, mas acredito que atacar o cônsul inglês pode nos colocar em uma situação delicada, não só com o Reino Unido, mas com outros países. Se começarmos uma república isolada do restante do mundo, ela não durará mais que dois invernos.

Nem Elias, nem Domingues pediram desculpas ou demonstraram verbalmente concordar com Leão Dourado. Mas o primeiro pareceu compreender que não iriam atrás de Tyler Lambert, enquanto o outro também parecia aceitar que Elias merecia estar ali.

O silêncio não se tornou constrangedor, pois, novamente, o praça bateu na porta do escritório e entrou com um novo aviso:

- Licença, senhores? O Sr. Afonso Aquino, em nome do Governador, deseja falar com os líderes da revolução.

Os cinco líderes deixaram o escritório e foram até o pátio do quartel, onde horas antes, Leão Dourado executou o comandante Castrozza. Ao chegarem ali, repararam que o homem estava sozinho.

- Bom dia Leão Dourado! - Disse Afonso.

- Bom dia. Diga ao Governador que não recuaremos.- Leão Dourado.

- Vamos tentar chegar... - Tentou dizer Afonso.

- Vamos. Vamos tentar não enviar sua cabeça como resposta a tentativa de negociação. - Respondeu Leão Dourado dando as costas para o homem, sendo seguido por Cabugo, Domingues e Padre José.

O enviado do Governador não se moveu inicialmente, parecia esperar que Leão Dourado desse meia-volta e lhe convidasse para um chá. Observando isso, Elias tomou as rédeas da situação e falou para seus homens:

- Eis o inimigo de Pernambuco. Fogo nele!

E como num passe de mágica, os revolucionários sacaram seus fuzis enquanto Afonso tentou correr em direção a entrada do quartel para fugir. Mas não conseguiu, as balas, vindas de todos os lados, o acertaram fazendo seu corpo cair ao chão.

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