CAPÍTULO 3 - KARMEM

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Quando entrou no carro, Enzo não segurou a risada, assim como Muller. Os dois estavam curiosamente vestidos no mesmo estilo, mas com cores invertidas. Ambos vestiam calça jeans, camisa polo e uma malha amarrada nos ombros. No pulso, o mesmo modelo de relógio refinado que se destacava em seus braços caucasianos.

- Já podemos fazer uma dupla sertaneja! - Brincou Enzo.

- Só se você for a segunda voz! - Provocou Muller ao mesmo tempo que arrancava com o carro e passava pelo farol vermelho, fazendo um ciclista se jogar na calçada para se salvar. Alguns motoristas abriram a janela para admirar o carro esportivo que cometeu aquela infração, afinal não é todo dia que um carro daqueles coloca os outros em situação de risco. Mas nem todos foram seduzidos pelo luxuoso automóvel, uma mulher com duas crianças no banco de trás, abriu a janela de seu carro para xingar algumas gerações de quem quer que seja que estava dirigindo aquele carro esportivo.

O mesmo automóvel, mais tarde, estacionou em frente a um prédio do centro antigo da cidade No topo do local, fica o requintado bar Unique, favorito da elite paulistana. Enquanto os manobristas levavam o carro para o valet, Enzo e Muller adentraram no prédio e se dirigiram até o elevador.

- Se eu soubesse que o elevador demoraria tanto para subir, teria vindo de helicóptero! - Brincou Muller antes que a porta do elevador se abrisse, revelando um grande terraço.

O local estava repleto de mulheres bonitas que ignoraram a entrada dos dois amigos no ambiente. Estavam todas preocupadas em fazer stories para postar em suas redes sociais e ao ver isso, Muller, tira seu celular e faz um stories também, mas Enzo se esconde.

- Ué? Não quer aparecer? - Questionou Muller ao ver Enzo cobrir seus rostos com a mão - Você sabe que é fácil de reconhecer você com esse relógio, né?

- Cara, tenho o lançamento da candidatura. Não quero passar a imagem de que estava na farra, embora eu ache que, com certeza, alguém que está aqui vai acabar falando alguma coisa por aí. - Explicou Enzo, na esperança que seu amigo não postasse o stories.

Vendo que Enzo estava realmente preocupado com isso, Muller apagou o vídeo enquanto a hostess os levava até sua mesa. Se sentaram próximos a uma grande janela que tinha uma vista para a paisagem urbana da capital paulista, mas que foi ignorada pelos dois homens, já que tinham muito o que conversar. Muller contou sobre suas aventuras em Dubai, desde experimentar o famoso bife de ouro até seu envolvimento com uma misteriosa mulher sobre quem não quis dar detalhes. Por outro lado, Enzo comentou sua aflição por não poder mais jogar profissionalmente e também sua incerteza em relação a sua candidatura política a Deputado Estadual, mas Muller não lhe ajudou muito pois disse que, entrar na política, era uma oportunidade incrível para o amigo de infância.

Entre uma conversa e outra, a garçonete já tinha trazido três copos de uma bebida vermelha que rapidamente era consumida por Muller enquanto Enzo estava terminando seu primeiro copo. A verdade é que Enzo detesta aquela bebida, mas não queria fazer desfeita para Muller. O amigo era fissurado naquele sabor esquisito e ao ver o copo de Enzo quase vazio, pediu para a garçonete:

- Traz mais duas pra gente?

- Não, eu não quero mais não. - Avisou Enzo.

- Se você não beber, eu bebo! - Respondeu Muller enquanto percebia que o celular de Enzo não parava de vibrar - Não vai atender?

O homem colocou a mão no bolso e puxou seu celular para fora, mas ele recusou a chamada e explicou:

- Nada importante! Mas eu preciso ir embora...

- Não, só mais uma! Nem te contei o que fui fazer, a trabalho, em Dubai - Insistiu Muller fazendo com que Enzo concordasse, mesmo sem proferir uma palavra - Eu tava em Dubai para uma reunião com o desenvolvedor do Karmem, um spyware que dá para acessar todas as informações de qualquer dispositivo. Sem deixar rastros.

- Se não tem rastros, não tem provas de crime - Concluiu Enzo, que por um momento se esqueceu que tinha outros compromissos e se interessou pelo assunto. Mas as vibrações no celular que indicavam que haviam chegado mais mensagens, o lembraram de seu compromisso.

- Exato! O cara acessou a conta de várias pessoas na minha frente. Redes sociais, contas bancárias, bloco de anotações, calendários. Tudo! Imagina o que dá pra fazer com isso?

-Seria possível acompanhar, em tempo real, o voto de cada eleitor? - Falou Enzo como se fosse um aluno do ensino fundamental respondendo alguma coisa apenas por tentar, mas sem ideia se está certo ou não.

- Pode ser usado para isso, mas o partido tem outros planos para o Karmen - Explicou Muller provocando em Enzo uma expressão de quem queria saber quais eram os planos - Mas não posso dizer quais. Quem sabe se você for eleito, eles não te contam?

Enzo insiste, mas o amigo não cede e aproveita para mudar de assunto ao ver que o celular de Enzo novamente vibrava ao receber uma chamada. Da mesma forma que antes, o homem tira o celular do bolso e recusa a chamada. A garçonete traz as bebidas, mas nenhum dos homens lhe agradecem.

- Você sabe que se eu falar, pode virar um grande problema pra nós. E de problema, nós só precisamos se for, mulher! - Disse Muller ao dar uma gargalhada antes de questionar Enzo - E aí? Tá comendo quem?

- Eu? Ninguém. - Respondeu Enzo com um olhar assustado.

- Até parece! Você sempre foi um touro! - disse Muller antes de dar um grande gole em seu copo.

Enzo rapidamente fingiu estar com sono e se espreguiçou enquanto inventava uma história:

- É sério! De vez em quando eu passo lá no Kabanas e escolho duas ou três para passar um tempo comigo. - Balbucia falsamente - Acho que preciso ir, já estou com sono...

- Engraçado. Eu passei lá no Kabanas assim que eu cheguei e as meninas falaram que não te viam há mais de três meses - Revelou Muller que parecia desafiar Enzo para um duelo.

Até pensou que Muller poderia saber de alguma coisa, mas Enzo preferiu esperar que ele fosse mais claro, mesmo que isso significasse ser pego pelo amigo contando uma grande mentira:

- Eu...Eu...Não vai rir? - Abaixou a cabeça demonstrando estar envergonhado com a situação - Eu pago pelo Full Vip do Kabanas!

O som da gargalhada de Muller foi tão alto que mesmo as pessoas que estavam em volta conversando em voz alta, interromperam suas palavras para observar de onde vinha tamanha alegria. Enquanto se divertia com a revelação do amigo, o recém chegado ao Brasil pegou seu celular e começou a desbloqueá-lo. Ao mesmo tempo, o celular de Enzo também vibra algumas vezes indicando que mais mensagens chegaram. Como se fossem uma espécie de espelho, os dois homens observavam seu celular enquanto prosseguiam com a conversa.

- Esse FullVip é aquele que você chega de helicóptero? - Perguntou Muller, em tom de deboche.

- Esse mesmo! Eles tem um esquema que te levam direto pro quarto sem que ninguém veja. Lá, você faz o pedido depois de olhar o cardápio e espera até que chegue o serviço de quarto - Detalhou Enzo enquanto abriu as mensagens que recebeu, mas ignorou e completou tristemente - Coisas que tenho que fazer para proteger a minha carreira política!

- Ah, seu safadinho! Merece mais uma pra comemorar, hein? - Muller termina de enviar uma mensagem pelo celular antes de levantar o copo vazio, indicando para a garçonete trazer mais.

- Pra mim não! Eu vou embora - Disse Enzo decidido, mas Muller segurou seu braço, insistindo para que ficasse. Enzo levou suas mão esquerda até seus cabelos loiros e coçou como se pensasse que as consequências de ficar não seriam tão graves. A garçonete trouxe mais dois copos daquela bebida vermelha que Enzo detestava, mas nem isso o fez conseguir deixar o local. De alguma maneira, Enzo era incapaz de contrariar Muller.

Sete ErrosOnde histórias criam vida. Descubra agora