Naquela manhã de nove de novembro, a cidade do Rio de Janeiro, havia amanhecido em um clima esquisito. O calor do verão brasileiro estava infernal. Algumas pessoas se preparavam para a festança, que ocorreria mais tarde, enquanto outras agiam de forma desconfiada, já que sentiam que algo estava para acontecer nos próximos dias.
Entre diversos estabelecimentos que ficavam na rua do Ouvidor, havia uma barbearia onde um homem, respeitado por ter projetado a rede de abastecimento da cidade, terminava de ser barbeado.
- Então foi você! Graças a você a cidade não tem mais aquele cheiro horrível. - Disse o barbeiro enquanto passava a navalha, pela última vez, no rosto de seu cliente - Pronto!
O barbeiro girou a cadeira fazendo com que o homem observasse o resultado de seu trabalho refletindo no espelho. O cliente era um homem negro e magro que beirava aos cinquenta anos e optava por deixar um bigode que se conectava as suas costeletas enquanto seu queixo era totalmente raspado.
- Muito bom. Um homem pode usar as melhores roupas, mas se estiver com uma barba mal feita, ele não vale nada. - Disse o cliente enquanto analisava sua imagem no espelho.
- Senhor... Desculpe, esqueci seu nome. - Falou o barbeiro.
- Relousas, Andrês Relousas. - Esclareceu o cliente.
- Isso. Senhor Relousas, você deu sorte de achar um homem como eu, que aceita atender um homem como você. - Disse o barbeiro - Portanto quatrocentos réis é o suficiente!
- Como assim? O anúncio diz que o serviço é de duzentos réis.- Questionou Andrês apontando para uma placa que ficava na porta.
- Tente entender minha posição. Depois que resolvi atender o senhor, meus próximos clientes não vão querer usar a mesma navalha. - Explicou o barbeiro sem ficar sem graça por dizer tamanho absurdo - Sabe, como é né? Mesmo que eu a limpe, vão reclamar.
- Está certo. - Respondeu Andrês que decidiu não entrar em uma discussão enquanto tirava quinhentos réis e entregava ao barbeiro. - Tome, dá pra ver que você está bem necessitado!
- Desse jeito o senhor me ofende! Parece até que sou um desses que vivem na rua. - Disse o barbeiro sem pegar o dinheiro.
- Ora, se precisa cobrar o dobro de pessoas como eu. Que mal tem eu lhe dar uma esmola? - Perguntou Andrês - Se não quiser, posso pagar apenas duzentos réis, assim como os homens como você.
O sorriso na boca de Andrês era malicioso, como quem tivesse dado xeque mate em um tabuleiro de xadrez, ao retirar mais trezentos réis do bolo de dinheiro. Do outro lado, o barbeiro, um homem, branco, baixinho e um pouco mais jovem que Andrês, estava constrangido ao hesitar em aceitar o valor.
- Que seja! - Esbravejou o barbeiro ao pegar o dinheiro de cada mão de Andrês - Humilhado, mas pelo menos, com dinheiro.
- É muito bom fazer filantropia! - Debochou Andrês enquanto deixava a barbearia.
Além de ter criado o projeto de abastecimento da cidade maravilhosa, Andrês ainda acumulava o prestígio, como engenheiro, ao ter desenvolvido um torpedo militar utilizado durante a Guerra do Paraguai. Caminhava pela Rua do Ouvidor que está cheia de gente que entra e sai de comércios, enquanto mulheres formavam filas longas para ajeitar o penteado e outras brigavam com os alfaiates ao descobrir que seus vestidos ainda não estavam prontos.
- Vamos, Roberto! - Falou Andrês ao encontrar um rapaz que lia jornal, sentado em um banco.
- Foi rápido, não consegui ler nem metade do jornal. - Respondeu Roberto ao se levantar e acompanhar Andrês.
- Vamos pegar a carruagem ali. - Disse Andrês enquanto limpava a testa com um lenço já que o calor descomunal, característico de uma cidade tropical, começa a lhe incomodar.
Algum tempo depois, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, na ladeira da Glória, Andrês e Roberto desembarcaram da carruagem e se dirigiram para um casarão que ficava ali perto. O engenheiro bateu na grande porta e, logo, uma negra a abriu.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Sete Erros
BeletrieSete Erros é uma jornada pela história do Brasil que tem como pano de fundo diversos momentos: - Os dias que antecederam a visita do Santo Ofício - A criação da bandeira de Pernambuco no fim do Brasil Colonial - Um romance impossível às vésperas da...