CAPÍTULO 90 - A TRINCHEIRA

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A escuridão da noite era iluminada apenas pela Lua e a trincheira, construída em Espírito Santo do Pinhal, ao longo da divisa dos estados de São Paulo e Minas Gerais, já estava tomada pela tropa de rebeldes que observavam atentamente qualquer movimento que acontecia fora de lá. Clara e Valente faziam seus preparativos finais antes da batalha começar.

- Você fica aí. E quando eu mandar, você se esconde, ouviu? - Perguntou Valente, em tom de ordem.

- Pelo visto, o maior inimigo que eu enfrento, hoje, é a descrença do meu próprio irmão. - Disse Clara enquanto limpava o cano de seu fuzil - Derrotar os getulistas vai ser mais fácil que convencer você.

Não houve resposta da parte de Valente pois o Tenente Mário caminhava pela trincheira conferindo se todos estavam prontos, visto que a qualquer momento, no horizonte, poderia surgir soldados inimigos. Enquanto isso, na mente de Clara, ela dividia uma aflição com Enzo.

- Meu irmão pode ter razão. - Revelou Clara, sem graça - Eu não sei se eu consigo atirar com essa coisa pesada. Além do mais, está muito escuro para eu conseguir enxergar os inimigos.

- Eu não consigo ajudar na parte de como atirar, mas se você deixasse eu olhar pela câmera poderia te ajudar a identificar os inimigos. - Sugeriu Enzo sem acreditar que ela concordaria com essa ideia absurda.

- Não seria uma má ideia. - Concluiu Clara enquanto movia as mãos fazendo com que a câmera Contax flutuasse até a grande mesa. - Atirar com isso, não deve ser tão difícil. Basta apertar o gatilho.

Não pensou duas vezes, e Enzo pegou a câmera, colocando em seu rosto como se fosse tirar uma foto. Quando olhou pelo visor viu a penumbra que envolvia a trincheira. Reconheceu o homem que estava ao lado de Clara. Era Valente, que reagia a um grito vindo do meio da trincheira.

- Inimigo se aproximando a noroeste. - Disse o Tenente Mário.

Tanto Clara quanto Valente olharam na direção indicada e viram um vulto surgindo do horizonte. Enzo, dentro da mente de Clara, e através da câmera, também percebia o vulto.

- Cinco inimigos pelo lado nordeste! - Gritou outro soldado, mas antes que Valente e Clara pudessem conferir, uma saraivada de balas zuniam sobre eles,acertando a terra mole da trincheira. Logo, tanto soldados paulistas quanto, soldados getulistas corriam pelo campo de batalha em busca de abater o máximo de inimigos possíveis.

Com uma postura firme, Valente não se movia conforme disparava, assertivamente, com seu fuzil. Por outro lado, Clara hesitou por alguns momentos, mas engatilhou o fuzil, antes de segurá-lo e puxar o gatilho. Sentiu uma pancada terrível no ombro, que quase lhe fez cair de costas, com o recuo da arma.

- O ombro! Usa o ombro! - Gritou Valente enquanto apertava o gatilho sem vacilar.

Não sabia que tinha que encostar a coronha ao ombro, mas, meio atordoada, Clara armou novamente o fuzil, dessa vez da forma correta, apontou: outra pancada no ombro e depois outra. A cada alvo que se dedicava, em sua mente, Enzo tentava antecipar a aproximação de outro alvo. No campo de batalha, mais uma vez, Valencina manobra o fuzil e puxa o gatilho de novo. Outra pancada. Mais outra.

Depois da quinta pancada, o precursor bateu em seco um estalido metálico. Estava sem munição. Olhou desesperada para Valente, pois não sabia encher o carregador da arma. Ele, por sua vez, sem proferir nenhuma palavra se aproximou dela, se abaixou e, em seguida, puxou a mulher para baixo.

O toque de Valente em Clara fez por um segundo, suas mentes se unirem, mais uma vez, entretanto, sob os gritos de Enzo e Acreano, os dois, rapidamente, se soltaram.

Perto deles um soldado inimigo agonizava, mas não lhe deram muita atenção. Ainda sem dizer nada, Valente tirou o fuzil da mão da irmã. Puxou o ferrolho para trás; levou-o à frente; torceu-o à direita. Clara observava tudo atentamente, não queria ter que depender de Valente na próxima troca de munição.

Enquanto se levantavam, Clara viu que um vulto se aproximava de Valente, mas o irmão parecia não ter percebido. Então, Clara, rapidamente, armou seu fuzil e apertou o gatilho. O vulto caiu ao chão e Valente se assustou ao pensar, por um momento, que sua irmã estava tentando atirar nele, mas logo percebeu que ela tinha acabado de lhe salvar a vida. Foi naquele momento que Valente percebeu que Clara era capaz de muito mais do que ele imaginava. Pela primeira vez, ele pensou que a trincheira talvez fosse lugar de mulheres também. Sentiu um orgulho inexplicável de Clara. 

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