CAPÍTULO 78 - OS ESCUDOS E OS LIVROS VOADORES

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Um escudo levitava pelo salão, de um lado para o outro, revelando que Clara, que o controlava sem tocá-lo, estava indecisa sobre onde deveria ficar. O som forte de um pedaço de carne batendo contra o chão, fez com que Clara se levantasse de seu trono fazendo o escudo cair ao chão.

- Que isso? - Perguntou Clara tentando observar o que estava atrás da grande mesa redonda que ocupava o centro do salão. Não recebeu nenhuma resposta. Clara balançou seus dedos se preparando para o ataque enquanto uma cabeça, com cabelos loiros, aparecia na borda da mesa e antes que pudesse se revelar por completo, Clara gritou - Peguem ele!

Ao ouvirem a ordem de Clara, os livros, das enormes estantes que formavam as paredes do local, revelaram suas pequenas asas e deixarem suas prateleiras para voarem em direção ao forasteiro.

- Não! Não! - Disse o forasteiro antes de notar o escudo, caído no chão, bem próximo dele.

Enquanto os livros voavam em sua direção, o homem agarrou o escudo e se levantou. Segurou o objeto de forma que os livros se chocassem contra o escudo e caíssem como se eles tivessem desmaiado. Os livros se chocaram com tanta força que um deles conseguiu afundar o escudo. O que provocou uma expressão de desconforto em Clara, mas Enzo não reparou. Entretanto, alguns livros voadores fizeram uma manobra ao desviarem do objeto, dar meia volta, e, novamente, voavam em direção ao invasor.

- Hey! A gente não pode conversar? - Disse o forasteiro enquanto girava o escudo para se proteger ao mesmo tempo que olhava para Clara, em frente ao trono. Enzo percebeu que atrás do trono, um vitral narra a metamorfose que a larva sofre até virar uma borboleta.

- Parem! - Ordenou Clara, preocupada com o escudo e fazendo os livros voltarem para a estante - Solte o escudo e podemos conversar.

- Quem disse que não dá pra lutar usando livros? - Disse o rapaz enquanto olhava os livros voando de volta para as estantes e ele deixava o escudo em cima da mesa - Meu nome é Enzo. Você...Digo, Vossa Majestade, deve ser uma Rainha Medieval, certo?

- Exatamente. Fiquei sabendo que não sou conhecida como alguém muito hospitaleira, portanto, fale logo o que está fazendo aqui. - Ordenou Clara.

- De uma forma resumida, eu sou uma pessoa normal que acabou viajando pela mente de algumas pessoas. Se estou aqui, possivelmente tenho que te ajudar em alguma coisa, só que... - Disse Enzo antes de emudecer.

- Só que o que? - Perguntou Clara.

- Existem regras das quais não tenho acesso. E se eu fizer algo de errado eu posso me prejudicar e te prejudicar. - Explicou Enzo ao colocar as mãos na mesa.

- Bom sendo assim, você não vai se importar de ficar acorrentado enquanto estiver por aqui. - Disse Clara balançando o dedo e fazendo correntes aparecem presas tanto na perna de Enzo como nas pernas da grande mesa.

- Sério?  - Perguntou Enzo tentando soltar as correntes, em vão. - Isso é realmente necessário?

- Preciso garantir minha segurança. - Disse Clara ao se sentar no trono, balançar os dedos e fazer o escudo levitar. - Você mesmo admitiu que pode ser uma ameaça.

Enquanto o escudo levitava de um lado pro outro, fazendo Enzo ter que se abaixar algumas vezes, o rapaz notou uma câmera fotográfica, modelo Contax, em uma das estantes perto dele.

- Vossa alteza, perdoe minha ignorância, mas você é rainha de onde? - Perguntou Enzo, com um sorriso malicioso na boca.

- Eu...Eu sou a Rainha Morgana Guinevere, do Reino de Camelot. - Explicou Clara enquanto fazia o escudo flutuar no mesmo lugar por mais tempo que o normal.

- Em que ano estamos? - Perguntou Enzo.

- Estamos em 556. - Respondeu Clara.

- Ok. Obrigado! - Agradeceu Enzo enquanto observava a câmera fotográfica.

O escudo novamente começou a se mover, controlado por Clara, enquanto Enzo começou a tentar se aproximar da estante para pegar a câmera. Ele estica seu braço, mas não consegue alcançar.

- Só mais um pouco! - Disse Enzo forçando seu pé preso a corrente e quase alcançando a câmera.

Quando os dedos de Enzo tocaram na câmera, mas não conseguiram pegá-la, as paredes do salão se afastaram, deixando as estantes mais longe, tornando impossível que Enzo alcançasse a Contax.

- O que você pensa que está fazendo? - Perguntou Clara enquanto mexia os dedos de ambas as mãos, uma controlava o escudo e a outra, as paredes.

- Se você fosse uma rainha de Camelot, com certeza, não falaria português. Muito menos teria uma câmera, produzida, pelo menos, no século vinte, como parte de sua mente. Eu sei que isso tudo é sua mente. - Sugeriu Enzo, fazendo Clara deixar o escudo cair novamente ao chão. - E digo mais, tenho certeza que essa câmera é o que eu chamo de "janela da alma", um instrumento que me permite visualizar o que acontece fora da sua mente, onde sua verdadeira realidade está!

- Está bem. Meu nome é Clara, sou professora no interior de São Paulo. - Revelou Clara ao perceber que não tinha escapatória. - E já que estou contando a verdade, estamos em 1932.

- Agora sim, fez sentido. Mas pode ficar tranquila que não estou bravo. Se alguém aparecesse na minha mente eu também agiria assim. - Disse Enzo ao fazer o sinal de paz, mas Clara não entendeu.

- Curioso, você perguntar em que ano estamos. Parece que você tem viajado através dos anos. - Disse Clara ao se aproximar da mesa.

- De certa forma sim, mas eu acredito que seja uma simulação...digo, um grande teatro que eu devo participar. - Explicou Enzo tentando evitar conceitos como videogame e realidade virtual.

- É através desse aparato que você muda de mentes? - Perguntou a professora apontando para o óculos que repousava na cabeça de Enzo. - Não parece com a máquina que Wells descreveu no livro, então você não viajou no tempo. Mas posso garantir que eu não faço parte de nenhum teatro ou simulação!

- Eu tive essa mesma conversa em uma das mentes que visitei. Não chegaremos a lugar nenhum, mas de qualquer forma concordamos que é impossível se tratar de viagem no tempo... - Respondeu Enzo mas foi interrompido ao sentir um forte cheiro - Que cheiro é esse? Parece mijo.

- Deve ser amônia. - Afirmou Clara. - Alguém deve estar tentando me despertar.

- Me deixe ver pela câmera, por favor? - Pediu Enzo como se fosse um cão sem dono, mas Clara sequer o respondeu, apenas apertou os botões vermelhos, que controlam sua mente e ficam na grande mesa.

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