CAPÍTULO 64 - EMBARCANDO NO CAIS PHAROUX

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A praça, que ficava ali no Cais Pharoux, estava completamente decorada em um tema brasileiro-chileno enquanto os desafortunados, que não foram convidados para o baile da ilha, chegavam lá em busca de se fixarem onde poderão ver os convidados embarcando em direção da Ilha Fiscal.

Entre a multidão, um grupo se destacava. Poucos negros tinham condições de vestir paletós de tecido de linho, ideal para sobreviver ao calor carioca, então a família Relousas chamava atenção de todos que passavam por ali. 

- Se vocês virem o Roberto por aí, avisem que ele ficará encarregado de lavar as louças até o dia que nevar nessa cidade. - Disse Andrês - De resto, se comportem e obedeçam o Tonho, ouviram?

- Sim, senhor! - Respondeu os outros cinco Relousas.

- Tonho, venha aqui! - Pediu Andrês ao puxar o garoto para longe dos outros - Essa é a primeira vez que você ficará responsável pelos seus irmãos. Quero que você se divirta, mas fique de olho neles. Se algo acontecer....

- Eu vou lavar a louça até o dia que nevar? - Perguntou Tonho, em tom de brincadeira.

- Não brinque. Estou falando sério! - Respondeu Andrês abraçando Tonho - Você não vai querer carregar a culpa, se algo acontecer a eles! Até mais!

Deu um beijo em cada um de seus irmãos antes de Andrês se dirigir à embarcação enquanto ao mesmo tempo que conferia no relógio de bolso, o horário. Eram oito horas e, conforme o convite, a barca começaria suas viagens sucessivas e uma fila já se formava na beira do cais.

Quando se aproximava das últimas pessoas da fila, um casal formado por um homem magro e alto, e uma mulher baixa e gorda, Andrês percebeu que outro casal, oposto ao outro, formado por um homem baixinho e gordo, e, uma mulher alta e magra, quase o atropela tamanha a gana de chegar à fila. Dessa forma, Andrês não teve opção e se posicionou atrás de casal apressado e pode observar quando a mulher baixa e gorda deixou a fila por alguns momentos.

- Seu...Seu Andrês Relousas? - Perguntou um homem negro que usava um cap com a decoração brasileiro-chileno.

- Sim, sou eu. - Respondeu André - Você é...?

- Capitão Marcolino, o dono dessa barca. - Respondeu o homem indicando a navegação onde as pessoas embarcavam. - Nos conhecemos durante as reuniões em busca da abolição!

- Ah sim, me lembrei! - Disse Andrês - Bom te rever!

- O senhor quer passar na frente? - Perguntou o capitão da barca.

- Obrigado, mas não precisa, estou bem aqui. - Respondeu Andrês - Não seria justo com os outros.

- Se você prefere assim, a viagem não é demorada, devo estar aqui em... - Começou dizer Marcolino, mas foi interrompido por uma confusão ali perto.

- Sua sirigaita, eu estava aqui antes! E mesmo que eu não estivesse, esse é meu marido! - Gritava a mulher baixa que tinha voltado para a fila provocando a fúria da mulher alta.

- Eu não quero saber, filhote de elefante! Se você precisou sair da fila, seu marido que acompanhe você ao final dela, agora! - Respondeu, aos berros, a mulher alta.

A mulher era baixinha, mas não era medrosa, partiu para cima da outra lhe acertando um tapa na cara. Ao perceberem que o circo estava formado, os maridos de ambas tentaram separar a briga, mas com o empurra-empurra, o pior aconteceu.

As pessoas, que estavam na fila e acompanhavam a confusão, gritaram, em choque, quando uma senhora, que estava quase perto de embarcar, acabou caindo no mar devido ao empurra-empurra se prolongar por toda a fila.

Até essa altura, a briga que era apenas de duas mulheres, agora havia se tornado uma confusão generalizada, mas antes que a situação se tornasse mais complicada, a guarda real apareceu e, rapidamente, o tumulto cessou.

Depois de cerca de dez minutos da partida da barca, em sua primeira viagem, ela já estava de volta ao Cais Pharoux para buscar mais ilustre convidados do Império. Entretanto, quando Andrês embarcou e se acomodou no transporte, percebeu uma agitação que vinha da praça e logo conseguiu distinguir alguns gritos que diziam: "É a família Imperial!".

Assim como os outros convidados que já estavam na barca, Andrês se levantou e tentou observar o que acontecia. Depois de buscar, com os olhos, o local, de onde a família Imperial vinha, finalmente conseguiu identificar D. Petrus II acompanhado da Imperatriz Terezinha e, logo atrás, a Princesa Elizabeth acompanhada de seu marido, o Conde D'Itu.

Ali, bem próximo a área de embarque, foi instalado um sofá e um trono improvisado para a família real aguardar enquanto a barca fazia sua viagem.  Enquanto aguardavam,  uma enorme girândola era elevada, sob a praça, e fogos de artifícios eram lançados da Ilha Fiscal, mas a Princesa Elizabeth nem pode admirar o espetáculo pois seus verdes olhos encontraram com os negros olhos de Andrês.  Depois de alguns segundos, a princesa acenou, delicadamente, e recebeu o mesmo gesto em resposta.

- Querido, olha quem está ali! - Disse a princesa para o conde, antes de se virar para seu pai, D. Petrus II - Papai, Andrês veio ao baile!

Assim como a princesa, o conde e o imperador acenaram para Andrês que respondeu cordialmente antes de ouvir a voz de Marcolino:

- Muito bem! Temos que partir, agora, para eu voltar e buscar eles!

Enquanto a barca atravessava o mar até a Ilha Fiscal, na mente de Andrês, Enzo confirmava sua suspeita. E naquele pequeno apartamento, Andrês foi obrigado a admitir a verdade.

- Eu sabia! Você está apaixonado pela princesa, sim! - Insistia Enzo.

- Já te falei que isso está longe de ser verdade! - Repreendeu Andrês - É verdade que eu admiro, mas não estou apaixonado por ela.

- Não se esqueça que eu sinto exatamente o que você sente. Quando ela acenou para você ali, no cais, eu reconheci esse sentimento. - Explicou Enzo - Foi exatamente como eu me sinto quando olho nos olhos de Valencina!

- Valencina? - Perguntou Andrês - Sua esposa?

- Quem dera, se eu não tivesse sido tão escroto, talvez um dia ela se tornasse. - Respondeu Enzo. - Eu só queria poder corrigir tudo de errado que eu fiz. Porque só percebemos que erramos quando sofremos a consequência desses erros?

- Talvez porque o ser humano é masoquista. Se coloca em situações de sofrimento, quase que por prazer. - Respondeu Andrês. 

- Ou, talvez o amor nos deixe cego a ponto de achar que o sofrimento vale à pena. - Cogitou Enzo enquanto olhava pela luneta vendo que a barca se aproximava da ponte movediça, montada para que os convidados conseguissem chegar até o castelo.

- Mas você está certo, eu tenho sentimentos, que não podem ser externalizados, em relação a princesa!

-Eu já sei que está apaixonadinho por ela e tem assuntos a tratar com o Imperador, mas por favor, não esqueça de apertar o máximo de mãos durante o baile!

Fora da mente de Andrês, a barca se aproximava da ponte movediça que levava até a terra da Ilha Fiscal e muitos de seus passageiros se levantaram para observar a decoração da estrutura que já indicava que aquela seria uma noite inesquecível. O som que vinha da banda, instalada no Almirante Dundonald ancorado entre a ilha e o cais, embalava o desembarque dos convidados.

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